domingo, 14 de fevereiro de 2010

Comunitarismo em duas visões


Acabo de ler o livro de Thamy Pogrebinschi (professora da IUPERJ, que lançou recentemente o interessante livro "O Enigma do Político", em que retoma a relação Estado-sociedade civil em Marx) sobre Pragmatismo (Editora Relume Dumará). A autora trabalha vários conceitos em John Dewey, incluindo o de comunidade. Dewey fazia uma relação direta entre comunicação e comunidade, fazendo da segunda uma construção dinâmica e permanente. A identificação de cada um com a comunidade se forja nesta comunicação, se aproximando do conceito de hegemonia gramsciano. Trata-se de uma adesão consciente, portanto, não apenas marcada pela afetividade. Peirce, também citado pela autora, vai mais longe: a distinção do real da utopia ou sonho individual se faz pelo contato com a comunidade. A comunidade seria, então, um esteio por onde as crenças se confirmam ou são rejeitadas (o pensamento pragmático).
Surpreendentemente, Zygmunt Bauman publica livro (Aprendendo a pensar com a sociologia, Jorge Zahar Editores) que trata do mesmo tema: os vínculos comunitários. Mas a partir de um foco mais crítico. O autor polonês adota o mote da tensão entre liberdade pessoal e dependência (contingências e regras sociais) ou, ainda, a aceitação de pessoas estranhas às suas crenças e cultura (tema deste início de século). O estranho é cada vez mais comum à paisagem volúvel da fragmentação social e globalização cultural. Daí (retoma tese de Touraine, sem citá-lo) nos refugiarmos na semelhança e na aparência (no perfume de sempre, na marca do automóvel, na comunidade conhecida), por mais efêmera que seja. Seria nossa proteção. Mas a "responsabilidade moral" ressurge (aquela que é voltada para a felicidade do outro), desmontando o conforto do comunitarismo. Enfim, a tensão permanente entre moral e conforto individual e comunitário.
O mais interessante é que para Bauman, a comunidade não se define pela proximidade física, mas como "unidade espiritual", como "postulado" por onde se divide ideais.
Tanto Bauman quanto Dewey trabalham a tensão social permanente como fruto desta comunicação entre desejos e interesses individuais por onde brotam identidades e valores morais. Um dilema cada vez mais presente neste século de encontros fáceis, cada vez mais fluidos e contingenciais. Como diz Bauman:
Somos continuamente encorajados a consumir em nossa busca do inatingível - o estilo de vida perfeito em que a satisfação reine, suprema.

Não aprendemos a lidar com o inatingível. Possivelmente daí nasce a mudança social e a utopia. E daí nasce a ferida de morte do conservadorismo e cinismo. Por mais paradoxal que pareça.

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