sábado, 13 de março de 2010

Carta de um político sério: JOSÉ EDUARDO CARDOZO


Queridos companheiros e companheiras,
Minha intenção era convocar uma ampla plenária, aberta a todos os que ao longo destes quase dezesseis anos de vida parlamentar me honraram com seu voto ou apoio, para informar e debater o posicionamento estritamente pessoal que motiva o encaminhamento desta mensagem. O vazamento de notas na imprensa e a dimensão pública que a questão assumiu ao longo dos últimos dias, inclusive com especulações infundadas, me forçam a ter de fazê-lo agora, de imediato, por esta via, sem prejuízo das reuniões do meu mandato que promoverei até o final do presente ano, com o objetivo de prestar as informações e os esclarecimentos necessários à compreensão deste meu posicionamento, bem como para que possamos juntos continuar debatendo e participando ativamente da vida política do país. Comecei a ter uma vida política mais intensa no movimento estudantil, especialmente quando, ao final dos anos 70, fui Presidente do Centro Acadêmico “22 de agosto” da PUC/SP. Desde a sua fundação, ingressei no PT onde hoje, pela segunda vez, ocupo o cargo de Secretário-Geral Nacional. Convidado por Luiza Erundina, tive a honra de participar da primeira gestão petista na Cidade de São Paulo, na condição de Secretário de Governo do Município, deixando o cargo apenas para disputar minha primeira eleição ao Legislativo Paulistano. Desde então venho me dedicando à vida parlamentar. Iniciei, em 1995, meu mandato de vereador à Câmara Municipal de São Paulo, onde tive a oportunidade de presidir a CPI da “máfia das propinas” que combateu a corrupção e levou à cassação de parlamentares envolvidos na prática de atos de improbidade, bem como a um movimento importante de opinião pública que clamava pela mudança das práticas políticas na cidade. Em 1999 tive a honra de ter recebido, nas urnas, a maior votação obtida por um Vereador no país até hoje (229.000 votos). No ano seguinte, ao longo da administração da Prefeita Marta Suplicy, exerci a Presidência da Câmara paulistana promovendo, em conjunto com o meu partido e os demais vereadores da legislatura, dentre outras conquistas, o fim do voto secreto naquele Parlamento. Interrompendo meu mandato de vereador, fui eleito, em 2001, por cerca de 300.000 eleitores, para a Câmara dos Deputados, onde hoje caminho para o final do meu s egundo mandato. Durante todo este último período, me orgulho de ter pertencido à bancada de sustentação do governo do Presidente Lula e pelo fato de ter sido indicado por órgãos que acompanham as atividades do Congresso Nacional, não só como um dos 100 deputados mais influentes da Câmara, mas escolhido, em diferentes anos seguidos, como um dos melhores parlamentares que atuaram nas duas legislaturas.
Hoje, em março de 2010, os brasileiros já começam a assistir os preparativos para o importante embate eleitoral que teremos ao final do ano. Teremos uma grande disputa político-ideológica, no momento em que os brasileiros forem chamados às urnas. De um lado, estarão alinhados os que defendem, como eu, a continuidade do programa de governo executado pelo Presidente Lula, por reconhecerem as fantásticas transformações sociais e econômicas que vem acontecendo na vida brasileira ao longo dos últimos anos. De outro, estarão os que desejam, por preconceito ou convicção, o retorno às praticas neoliberais de governos anteriores. Pretendo participar deste processo de embate político, militando ativamente, na função em que for designado pelo meu partido, na campanha eleitoral daquela que encarnará toda a emoção e o sentimento dos que querem a continuidade das políticas do atual governo, a querida companheira Dilma Rousseff. Estarei me dedicando de corpo e alma a esta campanha presidencial, às campanhas dos candidatos do Partido dos Trabalhadores e à possibilidade de termos, em Dilma, a primeira mulher Presidente da República.
Todavia, quero dizer que, após uma profunda e demorada reflexão, por um posicionamento estritamente pessoal, decido agora não buscar nas urnas minha reeleição à Deputado Federal. Devo, por isso, um esclarecimento não só a você, mas a todos aqueles que desde o início da minha militância política me acompanham e apóiam, festejando com alegria as vitórias, ou me estimulando carinhosamente e dando forças, nos muitos momentos difíceis que vivi ao longo dessa jornada. Não tenho nenhuma dificuldade em dizer que sempre gostei de atuar no Parlamento e tenho orgulho de ter sido e ser ainda hoje parlamentar. O Parlamento é indispensável para a Democracia de um país. Ser parlamentar, representando milhares de pessoas que, nas urnas, marcaram o número e depositaram a sua confiança no seu mandato, sempre foi visto e vivido, por mim, intensamente, como uma função nobre e dignificante. Por isso, sempre procurei, com lealdade e ética, no limite das minhas possibilidades e superando limitações pessoais, me dedicar, ao máximo, com paixão, alegria e satisfação, a esta missão que me foi delegada por aqueles que me escolheram como seu candidato e representante. A razão pela qual me afastarei por vontade própria da Câmara dos Deputados, ao final deste mandato, portanto, não se prende a uma avaliação de descaso para com a vida parlamentar ou para com o Parlamento. Não se prende também a divergências políticas com o meu partido ou a um inconformismo com as diretrizes políticas do Governo que defendo. Desde a última campanha eleitoral, disse e repeti, por diversas vezes, que achava difícil a possibilidade de vir a participar de uma nova eleição à Câmara dos Deputados, se não houvesse uma radical reforma do sistema político brasileiro. Afirmava que, se houvesse oportunidade e fosse útil ao meu partido, minha disposição poderia vir a ser até a de disputar eventualmente um cargo majoritário. Mas, antevendo o futuro, já começava a dialogar com os meus eleitores sobre a possibilidade daquela ser a minha última disputa para um mandato proporcional. Fazia isso, no curso de uma campanha, por já não me sentir confortável em disputas onde os recursos financeiros cada vez mais decidem o sucesso de uma campanha, onde apoios eleitorais não são obtidos pelo convencimento político das idéias, pelo programa ou pela própria atuação do candidato proporcional, mas quase sempre pelo quanto de “estrutura” financeira ele pode distribuir. Já naquele momento começava a me sentir desestimulado em disputar eleições onde os órgãos fiscalizadores partem de interpretações tão rígidas e formais das regras eleitorais que mesmo os mais sérios e cautelosos dos candidatos poderão sofrer pesadas punições, enquanto os adeptos de práticas não republicanas correm praticamente os mesmos riscos quando realizam suas campanhas milionárias, engordando seus patrimônios pessoais e obtendo votos a peso de ouro. Hoje um político sério no Brasil pode vir a ser punido ou mesmo correr o risco de perder o seu mandato, por um mero descuido ou erro formal. Será então exposto à impiedosa execração pública que o tratará como um criminoso de alta periculosidade, com seu nome e fotografia estampado pelos órgãos de comunicação, sem que se busque saber, exatamente qual “delito”, de fato, ele cometeu. Seus familiares, mesmo conscientes da lisura ética do punido, amargarão a vergonha e a zombaria pública, recebendo também uma sanção social implacável. Já os corruptos cuidadosos que podem pagar bons e caros técnicos que os assessoram, costumam não cometer erros desta natureza, ao engendrarem suas grandes “falcatruas”. Bem assessorados, quase sempre saem “limpos” das disputas eleitorais e aptos a continuar a assaltar os cofres públicos com a mesma desenvoltura de sempre. Quando, porém, eventualmente, são pegos pelas malhas da lei, já possuem os cofres nutridos para pagar bons advogados e fortuna suficiente para fugir da execração social em lugares acolhedores do mundo. Por serem desonestos, já estavam preparados para o “risco” das suas atividades perigosas. Não bastasse isso, a generalização e a banalização da idéia de que todo político é “desonesto”, não pode deixar de abater ou desestimular os que buscam comportar-se com a dignidade e a ética que o respeito ao voto popular exige. Não há nada pior para alguém que vive com dignidade no mundo da política, do que, diante de uma acusação qualquer, ver que a sua palavra ou a ausência de provas incriminadoras, não afasta nunca a “certeza” da sua “culpa”. Se na vida comum se costuma dizer injustamente que “onde há fumaça há fogo” (injustamente, porque a fumaça pode ter outras “causas químicas”), na vida de um político, o senso comum costuma sentenciar que se há “a leve aparência da fumaça, a existência do fogo é certa”. E não admite, jamais, prova em contrário. Por isso, me empenhei muito na defesa da reforma política. Defendi o financiamento público das campanhas, por entender que as formas atuais de financiamento privado das eleições geram corrupção e uma real ausência de isonomia entre os candidatos. Defendi o voto em lista partidária porque entendo que, em uma eleição, um partido deve disputar seu programa de forma unitária, sem que pessoas que estão do mesmo lado busquem os votos um dos outros, personalizando a competição e reduzindo a chance de uma politizada e madura disputa eleitoral. Tinha e tenho consciência de que somente uma reforma política aguda e radical poderia romper com a cultura dominante de execração preconceituosa de todos os que optam pela vida política, forçando a diferenciação do joio do trigo pela sociedade. Mas junto com outros companheiros de luta, fui derrotado. As regras eleitorais que marcarão as próximas disputas aos cargos proporcionais serão as mesmas. Os vícios serão os mesmos. E o desestímulo dos que defendem posturas republicanas na atividade política cada vez maior. Admiro e aplaudo, portanto, todos aqueles companheiros que, tendo a mesma visão ética que possuo da ação política, ainda conseguem transformar o desestímulo em energia para uma disputa proporcional dentro deste sistema eleitoral e desta conjuntura adversa, como, aliás, fiz tantas vezes. Só que todos devem saber respeitar os seus limites e avaliar, diante do que sentem e vivem, quando poderão ser mais úteis em outras frentes de luta, na defesa da mesma causa. É o que hoje, após tantos anos de atividade parlamentar, percebo em mim mesmo diante da perspectiva de participar de um novo pleito eleitoral para a disputa de uma vaga na Câmara dos Deputados. Aprendi na minha vida a não entrar em disputas quando não se tem ânimo para enfrentá-las ou não se sente prazer e alegria em fazer um bom embate, mesmo quando a vitória é possível. O sistema político brasileiro traz no seu bojo o vírus da procriação da corrupção e das práticas não republicanas, mas também inocula, ao mesmo tempo, outro vírus que atinge o ânimo dos que gostam do Parlamento, mas não gostam das condições, das regras, das calúnias e das incompreensões que forjam o caminho do acesso e o exercício de um mandato proporcional. Embora tenha lutado muito contra o primeiro, fui, lamentavelmente, atingido pelo segundo. Por isso, deixarei, ao final deste ano, a Câmara dos Deputados, mas não abandonarei a militância política. Estarei sempre à disposição do meu Partido e do projeto político-ideológico que defendo para o país, para assumir qualquer tarefa que me traga ao espírito o ânimo e a alegria do bom embate, na construção de uma sociedade justa e fraterna. Peço de todos os que sempre me apoiaram, mesmo que eventualmente agora os decepcione, a compreensão deste gesto fundado em razões estritamente pessoais e de foro intimo. Acredito ter cumprido o meu papel na Câmara dos Deputados, não fazendo tudo aquilo que gostaria, mas fazendo tudo o que estava ao meu alcance, honrando, no limite das minhas possibilidades, a confiança dos meus eleitores. Minha decisão não é uma renúncia à causa, mas apenas uma mudança do campo de atuação política. Quero deixar a paralisia que o desestímulo em disputar uma candidatura proporcional me traria, transformando-a em energia positiva para novos embates políticos. Quero me voltar integralmente à construção da nossa candidatura presidencial, à eleição dos nossos governadores e governadoras, e à eleição de uma bancada parlamentar forte que possa comandar a realização de uma verdadeira reforma política democrática. Quero e vou continuar lutando pela justiça, a igualdade , a liberdade, o Estado Democrático de Direito e a ética na política, em todas as frentes de batalha em que me sentir estimulado e puder ser útil. Por fim, deixo aqui um agradecimento sincero a todos os que contribuíram com seu trabalho no meu gabinete parlamentar ou com a sua liderança, militância e apoio, na defesa e na sustentação dos meus mandatos. Reafirmo que estaremos sempre juntos, com as nossas utopias e nossos sonhos, fazendo com que, mesmo diante das piores tormentas e armadilhas, a esperança continue a vencer o medo.
Brasília, 12 de março de 2010

2 comentários:

Álbano Silveira Machado disse...

José Eduardo Cardozo é da estirpe de poucos representantes do parlamento e execuivo brasileiros.
Espero que outros da mesma linha possam ocupar este espaço que ele deixa vago.

Concordo com quem disse, mais ou menos assim: "Se os bons não ocuparem da política, os espertos, os ladrões, os corruptos o farão".

GS disse...

Será do Betto a citação?

Ela consta do "A Mosca Azul".