terça-feira, 23 de março de 2010

Immanuel Wallerstein critica minha entrevista


Immanuel Maurice Wallerstein (na foto), sociólogo norte-americano que fez uma interessante análise no último Fórum Social Mundial, publicou artigo ("Antiguo dilema para la izquierda: el caso Brasil") em La Jornada, em que critica a minha entrevista ao Brasil de Fato, onde comento os 30 anos do PT. O artigo é muito instigante. Sua crítica principal é que desconsidero a dimensão geopolítica em minha análise, mas destaca minha questão central, o dilema da esquerda em permanecer como tal e ser popular. Embora avalie que Wallerstein cometeu um erro na crítica porque desconsiderou que o jornal fez perguntas direcionadas ao cenário interno do país, acato sua sugestão e faço breves comentários a respeito:
1) Do ponto de vista da reconstrução da geopolítica do continente (porque o PT e o lulismo pouco influenciam para além da América Latina), Lula polariza com Chávez. São duas forças políticas absolutamente distintas. Não há polarização nem mesmo com Uribe, que seria o governo mais à direita da região. Chávez vem de uma tradição da esquerda militarizada, com fortes traços messiânicos, de tipo caudilho. Inclui alguns avanços, como as formas de organização por bairro, pouco discutidas no Brasil. E tentou avançar na região via apoio financeiro, enquanto o barril de petróleo estava com os preços nas alturas. Lula faz uma gestão mais voltada para a liderança política e menos, embora exista, de apoio financeiro. Ideologicamente, se posiciona mais ao centro, juntamente com o que foi o governo Bachelet;
2) Com a crise interna na Venezuela (que envolve até defecção de ex-ministros e apoiadores de Chávez), o governo de Evo Morales aumenta sua independência política e se torna mais étnico. Daí pode surgir uma novidade, não expressa em teorias políticas de origem européia, porque a estrutura organizativa das populações indígenas da Bolívia, assim como no Equador, são muito distintas das que conhecemos, com forte participação de jovens e crianças, em estruturas colegiadas de anciões, formas plebiscitárias de tomada de decisão etc. Mas a América Central não tem força econômica e política para definir rumos político-ideológicos no continente;
c) O governo Lugo é uma imensa incógnita e parece errático. Escrevi recentemente um texto sobre comunitarismo e democracia que procura tratar dos limites da elaboração política da Teologia da Libertação, da qual Lugo é discípulo. O comunitarismo cristão não consegue formular uma ação política universal. É demasiadamente focado nas comunidades e no conceito de pobreza que mais une pela diferença que expressa um projeto;
d) Obviamente que a esquerda brasileira torce por estas inovações mais progressistas. Mas são tentativas que ainda não expressam claramente um projeto de esquerda. Estamos vivenciando um pêndulo entre o pragmatismo (que pouco inova, mas consegue aumentar os índices de inclusão social, embora não se proponha a alterar – nem mesmo arranhar – a ordem social e política, e é altamente centralizador e refratário ao controle social) e o comunitarismo (segmentado, reforçado por uma cultura particularista e étnica);
e) Sobre Cuba, trata-se de um símbolo do passado. Não tem qualquer poder de resistência, é um país pobre e com um governo autoritário. A última eleição para composição de sua instância máxima apresentou uma chapa fechada, para demonstrar “unidade”. Não houve opção para os eleitores-cidadãos. Isto nunca foi proposta de esquerda. A crise é tão profunda que até uma greve de fome e uma passeata de mulheres contra presos políticos viram questão de segurança nacional. Na Argentina, até hoje as Madres fazem manifestações na Plaza de Mayo e nada ocorre, o governo não se abala e ainda respeita a manifestação. Mas em Cuba, qualquer oposição é rapidamente transformada em ação dos EUA, em crise, em instabilidade política. A esquerda moderna sempre se levantou contra este tipo de enquadramento policialesco de manifestações sociais. Mas Cuba virou um símbolo. Como tal, pouco valor se dá ao presente;
f) Infelizmente, o lulismo engoliu o PT. Haverá, sem dúvida, uma disputa de bastidor entre o lulismo e o PT, caso Dilma vença as eleições. O partido tentará retomar o controle sobre o Estado, algo que tinha no início da primeira gestão Lula. A questão é se conseguirá ter mais força que Lula (mesmo fora do governo).

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