sábado, 31 de julho de 2010

Promoção automática ou progressão continuada?

Em sabatina realizada com candidatos ao governo de São Paulo, o tema da promoção automática de alunos se confundiu com um conceito distinto, o de progressão continuada. Desta confusão nasce um dos debates mais equivocados a respeito da educação em nosso país: aquele em que identifica a progressão continuada como omissão pedagógica da escola e a repetência como rigor. A confusão é generalizada e envolve pais e até mesmo professores. A repetência é uma face da mesma moeda em que se situa a promoção automática. Ambas simplesmente negam o acompanhamento efetivo do aluno que se encontra em dificuldades. Ambas são omissas. A repetência nasce de uma concepção taylorista educacional que se forjou na última década do século XIX nos EUA, formulada por Joseph Mayer Rice. Rice vinculou os objetivos da educação à formação para a indústria. A partir desta escolha, criou um ranking de conteúdos, tendo a matemática e a física como principais, seguidas pela biologia, química e comportamento social. O tempo de aula foi decomposto em módulos-aula em que o ranking de conteúdos era distribuído. E nasceu a seriação, onde um ano era base (pré-requisito) para o seguinte, criando uma escala linear de ensino. O problema é que esta concepção tem muito de administração racional do trabalho mas muito pouco de educação e desenvolvimento humano. Os seres humanos, para desespero dos educadores tayloristas, não saltam de patamar cognitivo ou afetivo a cada mês ou a cada ano. O “calendário humano” é outro. Este peculiar calendário do desenvolvimento humano foi tema de muitos pesquisadores muito citados, mas pouco compreendidos como Jean Piaget, Henri Wallon, reafirmados por outros pesquisadores contemporâneos, como o neurologista Antonio Damasio, para citar alguns. A repetência é um elemento do sistema de verificação da seriação, não de avaliação do processo de desenvolvimento. Explico: a seriação define um patamar ideal que o aluno deve atingir. Este patamar deve ser atingido indistintamente, sem que se tenha muita preocupação com as dificuldades peculiares de aprendizagem. A partir do patamar ideal, cria-se um ranking de classificação. E aqueles que não atingem um determinado índice deste ranking devem repetir. A repetência, por sua vez, repete (a redundância é inevitável) o que o aluno que não atingiu o patamar mínimo já assistiu em muitas aulas. As aulas de reforço incorrem no mesmo erro: acreditam que pela repetição o aluno passa a se condicionar à resposta certa. Contudo, num mundo em que uma novidade tecnológica ocorre a cada seis meses, por segmento produtivo, esta crença na memorização como carro-chefe do processo educacional cai por terra. Repetir um aluno, portanto, é anacrônico e um ato pouco profissional do ponto de vista educacional. A promoção automática também incorre neste erro porque tampouco leva em consideração o processo de aprendizagem. Entre repetir e promover automaticamente está justamente a educação. Interessante que o primeiro artigo sobre sistema de ciclos escrito por um brasileiro foi publicado na década de 1950, no Rio Grande do Sul. O título do artigo era "Promoção automática ou progessão continuada?". Mais de meio século depois, continuamos não compreendendo a diferença entre as duas propostas. São Paulo apresenta ainda mais dificuldade porque em 1921, Oscar Thompson, diretor geral do Ensino do Estado, propôs, na Conferência Interestadual de Ensino Primário, a promoção em massa. Sampaio Dória também sugeriu algo semelhante, a promoção automática. Em 1956, durante a Conferência Regional Latino-Americana sobre Educação Primária Gratuita e Obrigatória, promovida pela UNESCO foi amplamente discutido um estudo sobre reprovações na escola primária na América Latina. Dentre as medidas sugeridas estava a promoção automática. O sistema de ciclos não propõe a promoção automática, mas na adoção de enturmações múltiplas (além das turmas de referência) para alunos que apresentarem dificuldades específicas. Digamos que uma vez por semana as escolas se dedicam a estas enturmações diferentes. A promoção, naquela área em que se apresenta dificuldade de aprendizagem, ocorre quando o professor definir e considerar adequado. Naquilo em que está bem, o aluno é promovido. Naquilo em que está apresentando dificuldades, continua numa turma intermediária. O método adotado nesta enturmação específica é diferente do aplicado anteriormente. Não se trata de repetência. O Brasil tenta criar atalhos na educação. E não percebe que, por aí, banalizamos o caminho do desenvolvimento sustentável.

Um comentário:

Ágora Bar disse...

Essa discussão é muito importante, muitas pessoas tem a noção errada do sistema de ciclos. Acho que a edução formal no brasil só melhora quando as questões pedagógicas e didaticas forem entrarem em pauta. Em bh tivemos uma tentativa de mudança de concepção com a escola 0Plural, bem ou mal, foi uma das poucas vezes que as teorias educacinas foram colocadas no centro da discussão.