sábado, 27 de novembro de 2010

Um último comentário sobre a ofensiva militar no RJ


Estou de viagem para São Paulo. De lá cumpro uma programação em Florianópolis (encontro de secretários estaduais da fazenda), Blumenau (programa educação fiscal) e Curitiba (reunião com equipe do Instituto Cultiva do Paraná). Não terei muito tempo para acompanhar os acontencimentos do Rio de Janeiro como fiz ontem e hoje. Então, gostaria de fazer um comentário geral sobre o que ocorre por lá. Faço tais comentários motivado por um texto que recebi da Rede contra a Violência, cujo título é "Repúdio ao revide violento das forças de segurança pública no Rio de Janeiro, e às violações aos direitos humanos que vêm sendo cometidas". Sinceramente, achei o título e o texto bem intencionados mas profundamente ingênuos. São erros políticos que merecem atenção e aprofundamento e que, de tempos em tempos, rondam o debate sobre políticas públicas. Meus comentários a respeito são:
1) Entendo que houve oportunismo (ou oportunidade) do governo estadual em função da crise vivida pelo Comando Vermelho. E é também claro que há uma troca de comando em curso, do CV pelas milícias/ADA (aliados no momento, em várias regiões). Criou-se um clima de legitimação da ofensiva militar, apoiada declaradamente pela Rede Globo. Mas até aí, trata-se de expediente dos mais antigos, que perpassa toda história da política humana;
2) Também é verdade que há forte pressão para criação de um ambiente de investimentos em função da Copa e das Olimpíadas;
3) Mas daí, depreender que tudo deveria ficar como está é um terrível engano e não se sustenta em nenhuma orientação de política pública. A situação é complexa, mas é evidente que não é possível um território ser dominado por uma estrutura de mando privado. É fundamental que o território se torne público. A ação militar tem que ser passageira e é aí que nós, membros da sociedade civil, precisamos entrar. Não podemos trocar o controle privado por outro. Mas negar que se trata de um confronto
armado entre forças armadas privadas e o Estado chega às raias do absurdo;
4) Temos que ter equilíbrio a respeito desta situação. Não podemos sugerir que havia normalidade nos territórios cariocas em confronto aberto. E também não podemos negar que é necessário o uso do monopólio da força pelo Estado para publicizar um espaço tomado por gangues (se organizadas ou desorganizadas não interessa como questão central) Não é possível uma crítica nestes termos, sem clareza, tratando o tema pelas tangentes. A conquista da democracia não se sustenta pela passividade, ingenuidade ou democratismos. A máxima, "o limite da democracia é a própria democracia" é um imperativo. Não podemos dar chances ao fascismo como se fosse direito. Não se dá direito democrático a quem quer destruir o espaço de tolerância e disputa aberta pela legitimação, sem uso da violência e aceitando uma base de convivência, mesmo numa eventual derrota política;
5) A questão central dos morros do Rio de Janeiro é a recuperação de espaços públicos e a implantação de mecanismos de controle social. Fora isto, será pura
elocubração. Temos que superar esta lógica denuncista e defensiva dos anos 1980. Temos que disputar a política pública. E não há como abrirmos esta frente de disputa se não coibimos, antes, a privatização dos territórios pelo tráfico.

Portanto, mesmo que existam interesses escusos ou obscuros na ofensiva militar do Rio de Janeiro, é fundamental que se publicize os territórios. Para isto, é evidente, a sociedade civil precisa estar atenta. Precisa pensar e impor instrumentos de controle público e civil dos espaços desprivatizados. Mas sugerir que a situação já havia passado do limite da relação básica de uma sociedade democrática já é um exagero perigoso.
Como o tema é dos mais polêmicos, sugiro a leitura do livro de Bobbio, "O Terceiro Ausente – Ensaios e discursos sobre a paz e a guerra". Para falar a verdade, depois do livro a polêmica vai continuar. Mas vale a leitura.

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