domingo, 28 de novembro de 2010

Uma primeira resposta à minha nota sobre a ofensiva militar no RJ


Estou em São Paulo e não resisti. Fui olhar se alguém havia respondido minha última nota neste blog. Alguns já responderam. Resolvi postar as notas aqui para conversarmos a respeito. Lá vai a primeira crítica:

O apoio de 110% da população às operações policiais de invasão dos morros não retira a nossa obrigação de fazer uma reflexão crítica sobre o que se sucede no RJ. Entre os que apoiam estas operações com entusiasmo estão justamente aqueles que se sentem frustrados porque as tropas policiais e militares adiaram a invasão do Complexo do Alemão, fortaleza do CV, e com isto ainda não promoveram um banho de sangue além de estarem aborrecidos por aquela coluna de traficantes em fuga da Vila Cruzeiro não ter sido fuzilada. A criação de clima de legitimação é expediente antigo sim, mas ocorre coisas novas aqui e no mundo com estes mecanismos.
Zizek apontou a utilização do discurso da ajuda humanitária e os direitos humanos
para legitimar a política de invasão do Iraque e do Afeganistão. Aqui além de pintar
de monstros os traficantes dos morros cariocas e das periferias metropolitanas, dissemin a-se o discurso de "libertação dos territórios controlados" pelas facções do varejo de drogas. Ou seja, cria-se um clima para justificar o discurso e práticas de guerra. Não é a toa que há uma intencionalidade em classificar como atentados terroristas as ações promovidas pelo tráfico. Aliás, diferentemente das ações do PCC, em 2006, em SP, os bondes cariocas até agora não provocaram, salve engano, nenhuma vítima fatal. Em maio de 2006 o PCC alvejou uns 50 homens das forças públicas. E a polícia militar paulista retaliou com 500 execuções sumárias em uma semana. Quantos eram do crime? Quase nenhum, bastava uns ter passagem policial. O que MP fez? Arquivou tudo! E esta semana ficou conhecida como "ataques do pcc". Diferentemente do tráfico carioca, nas periferias paulistas não se vê soldados do pcc armados. Nas bocas das favelas paulistas não se vê garotos com armas. Óbvio que há muitas por lá, mas não nas mãos dos garotos. Mas daí achar que o PCC é menos letal vai uma distância. Em Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo, os garotos do tráfico diziam que eles deveriam se armar a revelia de seus patrões para combater a violência policial cotidiana. Em fevereiro de 2009, eles promoveram a primeira rebelião de moradores/trabalhadores do tráfico contra a violência policial paulista. Tempos de exceção: jovens traficantes manifestando contra a violência institucional. Diferente dos movimentos sociais não reivindicavam direitos sociais, exigiam direitos civis, o direito à vida! Perguntem para as pessoas que moram nas periferias paulistas quem fez os homicídios desabarem. A resposta: o PCC. O que não significa que os debates e os ajustes de dívida não continuam rolar solto. No Rio há uma operação militar em curso em plena democracia para exterminar rapidamente jovens (impressionante que quase todos se parecem com meus alunos da periferia) e proclamar que há controle da cidade e assim garantir os jogos olimpicos e a copa e com eles investimentos. Para combater o que se classifica legalmente de criminalidade comum, utiliza-se forças armadas e achamos isto normal e necessário para efetivar e tornar eficazes as políticas públicas, tais quais UPPs. O que se quer é a eliminação rápida dos "inimigos" e se necessário ou se possível com o expediente de torturas e execuções sumárias legitimizadas. Não creio que nos morros o apoio às tropas de "libertação" é unânime, há diversos depoimentos que desmentem isto. E não creio que as críticas venham apenas dos garotos e dos chefões do tráfico. Os moradores estão cançados de ficarem no meio do fogo cruzado, sim. Mas muitos consideram a polícia muito pior que o tráfico. As operações em curso e as implantações das UPPs podem provavelmente provocar o colapso da maior facção carioca, o CV, e, com isto, possivelmente as facções rivais venham assumir o controle do comércio varejista nestas áreas, ou o mais provavel é que pavimentem o caminho para a expansão das milícias. Sim é possível que haja uma reestruturação no tráfico. Mas a expansão das milicias indicam mais poder bélico e mais violência. As milícias são comandadas
majoritariamente por políciais e ex-policiais e, por isto mesmo, o grau de violência
e intimidação é muito maior, pois elas subsistem com cobertura dos aparatos
legais. Mas, ingenuidade é não perceber que o programa de implantação das UPPs - se quiser chame-as de políticas públicas, o que não altera em nada -, está
intimamente relacionada com o recrudescimento penal, o encarceramento em massa e a
nova forma de tratamento da questão social na periferia por meio de parcerias
público-privadas, ONGs e profusão de políticas públicas despolitizadas que visam
o controle da força de trabalho - biopolítica diria Foucault - sob a fachada da afirmação do monopólio legal da violência e do acesso à cidadania. Como até o Padilha do Tropa de Elite disse: o que garante que as UPPs não se transformarão em milicias? Políticas públicas com controle social? Isto garante a onguização e a reprodução ampliada da despolitização geral. Ingênuo para mim é achar que controle social democrático com programas ou ações sociais focadas e/ou compensatórias viriam resolver o problema da violência institucional contra os moradores de favela. Saúde e escola (de péssima qualidade) e trabalho precário formam um pacote para fomentar políticas públicas que convive bem com a nova democracia que tolera todo tipo de arbitrariedade e violência institucional com os habitantes dos territórios da pobreza. Uma cino-latino-democracia produtivista? Os moradores de favelas tiveram de aprender a lidar com os traficantes e conseguiram, pois em boa medida são seus conhecidos e com quem mantem diversos tipos de laços. Estes impuseram uma disciplina que conteve roubos e brigas nos bairros diferentemente da polícia que quando entra nestas áreas é para praticar extosões, exculaxos e assassinatos. Como termômetro de que algo mudou muito nos territórios da pobreza - favelas e periferias -, seja em termos de (in?)sociabilidade e de percepção, pode-se verificar pela influência da música funk entre os jovens. Por que será que, entre os jovens, o funk suplantou de longe o rap até mesmo nas periferias paulistas? É uma música hostil, uma boa expressão da reação ao excesso de civilização. É um pouco do que penso.

Um comentário:

Strategos Aristides disse...

Gave up. Citar Zizek, Iraque e Afeganistão dão dá link. Não se trata de ação externa, ingerência internacional com interesses escusos, no momento é só o Estado respondendo aos "bondes" sob pena do silêncio cristalizar de vez sua inépcia. Pior foi tentar justificar como não terrorista a ação dos traficantes no Rio comparando-a com os ataques do PCC em 2006. Absurdo. O PCC como substituto do poder público responsável pela paz e ordem nas periferias paulistas, a relação "respeitosa, amistosa" entre traficantes e moradores nos morros do Rio, um exagero. É o "funk" do crioulo doido!!! E já que Zizek foi citado, interpreto-o apressadamente - como o autor - a meu favor claro, com seu conceito de Coragem Ética:
"O verdadeiro esforço ético não está apenas na decisão de salvar vítimas, mas também – e talvez muito mais – na dedicação impiedosa de aniquilar aqueles que fazem delas vítimas."
Não dá pra ver a Globo. Nem pra levar a sério esses artigos.
Depois disso temos é que virar a página, estabelecer essa "nova etapa no RJ" com um plano de controle social desses territórios. Isso sim é bom senso e realidade.