sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A visão do MST sobre assistência técnica


O papel da assistência técnica nos assentamentos
Por Nivia Regina
Da Coordenação Nacional MST


HISTORICAMENTE os sistemas de difusão de tecnologia e extensão rural no Brasil serviram ao grande capital, para possibilitar a ampliação do mercado de consumo de insumos agrícolas - estimulada principalmente pela chamada “Revolução Verde” - e o fornecimento de matéria-prima para as agroindústrias processadoras. Ao longo do tempo, a extensão rural foi se associando a um novo modelo tecnológico, baseado não apenas no uso intensivo de insumos químicos e biológicos industriais e sim na biotecnologia, controlada pelas empresas transnacionais. Na luta pela Reforma Agrária e pela construção de outro modelo de produção e matriz tecnológica, o MST, na crítica a esse sistema de extensão rural, busca a construção de uma proposta de assistência técnica para os assentamentos rurais que seja pública, gratuita e com gestão das
organizações dos trabalhadores assentados. A proposta deve contemplar a orientação técnica nas diversas áreas do conhecimento e ser compromissada com a Reforma Agrária, abrangendo todas as famílias assentadas no Brasil. A assistência técnica – pela qual lutamos e buscamos construir – precisa romper com a cultura de dominação historicamente aplicada pelos programas do Estado. Defendemos que os trabalhos devem potencializar a cooperação, a agroecologia e a organização interna das famílias assentadas, promover a construção do conhecimento em conjunto com os trabalhadores/as
(prática-teoria-prática), levando em consideração as condições sociais e culturais de cada região onde é desenvolvido o trabalho. A realização da assistência técnica nas áreas de assentamentos rurais se deu de forma diferenciada de acordo com os períodos históricos, que tiveram diferentes políticas implementadas pelos governos, segundo a correlação de forças de cada momento.
1) 1984 a 1995: neste período a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) foi efetivada pelas agências municipais ou estaduais das redes Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). A maioria foi construída ideológica e tecnicamente em todo território brasileiro pelo sistema Empresa Brasileira da Assistência Técnica e Extesão Rural (Embrater), que deixou sua herança na metodologia de ação da Ater oficial até hoje, marcada por disputa ideológica, com ações muitas vezes contra a
Reforma Agrária.
2) 1995 a 1997: O governo federal lança a proposta de assistência técnica para assentamentos rurais denominada “Contacap”, que teve como laboratório de aplicação alguns estados do Nordeste. Centrava sua força na capacitação dos assentados, não realizava projetos do então Procera, que permanecia sobre a outorga das Emater.
3) Governo Fernando Henrique: O governo FHC, em seu primeiro mandato, formula o Programa Lumiar, com a característica principal de terceirizar os serviços públicos, respaldando o programa neoliberal do governo. O Movimento soube explorar as contradições desse processo, conseguindo em alguns casos contornar as armadilhas e tornar este programa a primeira experiência de Ater em assentamentos da Reforma Agrária em nível nacional.
4) Governo Lula: A partir de 2003, abrem-se expectativas da construção de um programa voltado para o desenvolvimento dos assentamentos sob a coordenação dos assentados. O Incra construiu junto aos movimentos sociais e cooperativas um novo programa, que ganhou o nome de Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (Ates). Ao longo do tempo, o programa foi se tornando engessado, devido a um novo marco legal diferente da concepção incial. A reflexão é que houve uma construção para tirar a Ates do controle político dos assentados, tornando-a uma política mercantilizada
difícil de ser apropriada.
5) Lei de Ater: No início de 2010, o governo federal sancionou a lei 12.188, que institucionaliza a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) criando a política nacional e o programa nacional de assistência técnica, tornandoa uma política de Estado. Porém as organizações detectaram alguns problemas. A lei coloca todos os beneficiários dentro de uma mesma política, sem diferenciação entre agricultura familiar, Reforma Agrária e comunidades tradicionais. Além disso, a participação e gestão social da sociedade civil ao programa estão limitadas e a lei tem claro direcionamento às entidades públicas, como as Ematers.
Para próximo período, a necessidade é buscar caminhos para a consolidação da nossa concepção de assistência técnica, e buscar mudanças possíveis, ainda dentro do marco legal. No curto prazo, será difícil garantir transformações profundas na lei, mas as condições necessárias para fazer esse enfrentamento devem ser construídas agora.
Precisamos garantir os princípios de uma política de Ater pública, gratuita, não necessariamente estatal, com proposta metodológica e sua gestão sob controle dos/ as trabalhadores/as organizados. Como a assistência técnica é uma atividade necessária para desenvolvimento dos assentamentos, não podemos correr o risco de fortalecer um marco legal com estrutura rigorosa e ação burocrática dos técnicos. O governo instituiu na lei o programa de Ater- Pronater, mas não há elaboração desse novo programa. Precisamos apresentar a diferenciação da assistência técnica para Reforma Agrária e pressionar para que seja construída uma proposta específica, trazendo nosso acúmulo do debate, retomando nossos princípios da cooperação e da agroecologia.
Precisamos nos antecipar e provocar as demandas nas chamadas públicas, casando com a estratégia para desenvolvimento dos assentamentos. É importante definir ações que promovam a organização e fortalecimento da cooperação, da agroecologia, das mulheres, dos jovens; a agroindustrialização e comercialização. Devemos construir nacionalmente a formação e capacitação dos nossos técnicos, com um processo dirigido e coordenado pela militância, realizado em nível nacional, regional ou local. Considerando nossa luta por um instrumento de assistência técnica que rompa com a cultura de dominação historicamente aplicada pelos programas do Estado, temos que construir lutas para realização de mudanças nos marcos regulatórios da atual lei e projetar a construção de uma assistência técnica autônoma, dos trabalhadores para os trabalhadores.

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