segunda-feira, 20 de junho de 2011

Dados sobre democracia participativa no Brasil


Matéria assinada por Simone Biehler Mateos sugere que mais de cinco milhões de brasileiros ajudaram a formular, implementar ou fiscalizar as políticas públicas no Brasil. A matéria, que adota um tom excessivamente otimista, lista políticas que se relacionam diretamente com as 73 conferências nacionais realizadas em nosso país nos últimos nove anos: políticas de desenvolvimento, geração de emprego e renda, inclusão social, saúde, educação, meio ambiente, segurança pública, defesa da igualdade racial, dos direitos das mulheres ou de minorias sexuais, dentre outras. As 73 conferências representam 64% do total desses encontros (114) realizados no Brasil nos últimos 60 anos.
Esses encontros nacionais, em sua maioria realizados em Brasília, costumam reunir entre 600 e cinco mil pessoas anualmente ou a cada dois ou quatro anos, dependendo do tema. Até brasileiros que vivem no exterior já puderam participar de duas conferências, de Comunidades Brasileiras no Exterior, realizadas em julho de 2008 e outubro de 2009.
Conselhos
Dos 61 conselhos nacionais de políticas públicas existentes, 33 foram criados ou recriados (18), ou democratizados (15) desde 2003. Hoje, 45% de seus membros são do governo e 55% da sociedade civil, incluindo, dependendo do caráter do conselho, representantes do setor privado e dos trabalhadores em geral ou de dado setor, da comunidade científica, de instituições de ensino, pesquisa ou estudos econômicos, assim como por organizações de jovens, mulheres e minorias.
Processo Ignorado
Apesar deste tom mais que otimista, a reportagem admite o desconhecimento público da existência desses conselhos e conferências. Cita, como exemplo, o desconhecimento da conquista do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social pelo conselho e das conferências nacionais das cidades. O fundo contempla financiamento para a faixa de renda de zero a três salários mínimos e, pela primeira vez, abriu a possibilidade de projetos habitacionais autogestionados, nos quais os recursos para casas que serão construídas em mutirão são repassados a entidades comunitárias. A Caixa Econômica Federal conta hoje com uma subgerência social para fazer essa interface com os projetos dos movimentos sociais.
Segundo o ex-ministro Luiz Dulci, justamente para tornar irreversível o aprofundamento da democracia participativa foi elaborado o projeto de Consolidação das Leis Sociais. Reivindicação das próprias organizações populares, o projeto se propõe a institucionalizar - tornando-as políticas de Estado - os programas sociais e canais de participação existentes, mantendo, entretanto, sua flexibilidade política e organizativa.
Eu cheguei a ser convidado pelo CDES (assim como Luiz Mario, do FBO) a discutir em Brasília a inclusão de nossa proposta de Lei de Responsabilidade Fiscal e Social para ser incluída na Consolidação das Leis Sociais. O problema é que esta proposta de lei em chegou a ser enviada para o Congresso Nacional.
A matéria que cito é típica chapa branca, sem qualquer leitura crítica. Nem mesmo ouviu quem trabalha o tema profissionalmente ou entidades que participam de conselhos e conferências. Contudo, como avalia Moroni, trás informações organizadas. Por exemplo, ao final oferece um box sobre as origens da participação popular no Brasil. Termino esta nota reproduzindo excertos deste box:

Origens da participação popular
O Conselho Nacional de Saúde, da década de 1950, é o mais antigo a ter representantes da sociedade civil que, durante longos períodos, foram escolhidos pelo governo entre entidades e personalidades. A participação deu um salto na década de 1980, quando diferentes setores da sociedade se mobilizaram pela defesa de seus interesses,
multiplicando comitês de fábrica, de bairro, de luta contra a carestia, além das comunidades eclesiais de base. Nessa época tem início o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a Luta por Eleições Diretas. Essa ampla mobilização origina várias formas de participação local, com destaque para a experiência do orçamento participativo, implementada em Partido dos Trabalhadores (PT) em Porto Alegre a partir de 1989 e, posteriormente, estendida para 192 cidades, nem todas administradas pelo PT. Com a Constituinte, a participação popular na elaboração, acompanhamento
e fiscalização das políticas públicas ganha institucionalidade, já que a Carta prevê a criação de instâncias específicas com este fim, obrigatórias no caso de setores onde existem fundos a serem geridos, como saúde e educação. Ao longo dos anos 1990, firma-se a ideia da participação em conferências e se multiplicam os conselhos municipais de políticas públicas, com a eleição de representantes da sociedade civil e indicação dos representantes municipais, primeiro nas principais capitais, logo nas
cidades médias.
Participação impacta Legislativo e melhora acesso a serviços públicos
Um estudo do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj) que procurou medir o impacto da participação popular na atividade legislativa constatou que um quinto dos projetos de lei e quase metade das propostas de emenda constitucional que tramitavam no Congresso em outubro de 2009 apresentavam forte convergência com deliberações de alguma conferência. A convergência é mais intensa durante o governo Lula: mais de dois terços das leis e 90% das emendas constitucionais que foram aprovadas com convergências com diretrizes das conferências concentram-se nos oito anos dessa gestão. As deliberações das conferências que não se transformaram em decretos ou projetos de lei, no mínimo, se incorporaram à agenda de discussões do governo. Uma segunda etapa da pesquisa do Iuperj, conduzida por Thamy
Pogrebinschi, mostra que a criação de conselhos e realização de conferências específicas sobre políticas públicas pelos direitos humanos e de grupos tradicionalmente discriminados também se refletiram no legislativo. Resultados preliminares do estudo mostram que projetos de lei com este foco correspondiam a 18% do total que tramitava no Congresso no final de 2009.
Outro estudo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o aumento da participação popular na elaboração das políticas aumenta sua eficácia, ampliando o acesso aos serviços públicos e melhorando o desempenho administrativo. O estudo analisou o acesso a serviços públicos de saúde e educação em cidades com mais de 100 mil habitantes e constatou que aquelas com maior participação popular apresentaram, em proporção à população, um número três ou quatro vezes maior de creches e
de matrículas no ensino fundamental, além de um número de consultas e de leitos do SUS 10% superior às outras. Seu desempenho administrativo também era melhor: com uma receita corrente 70% superior às dos municípios com baixos níveis participativos, os mais participativos tinham uma receita tributária 112% maior. Este levantamento mostra que, entre 1998 e 2008, o número de conselhos municipais de políticas públicas saltou de 274 para 490 e que em todas essas cidades hoje existem mais conselhos do que os que são obrigatórios por lei.

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