domingo, 9 de outubro de 2011

Uma versão sobre a história do PT


En­tre­vis­ta | Lincoln Secco
Autópsia da estatização do PT
Historiador diz que PT é refém do financiamento público, afirma que José Dirceu foi o arquiteto da chegada ao poder e frisa que quedas ministeriais favorecem Dilma Rousseff


Lincoln Secco, historiador: “Apesar de algumas falhas, o governo de Dilma Rousseff está no rumo certo”


Re­na­to Di­as
Es­pe­ci­al pa­ra o Jor­nal Op­ção

O PT teve uma típica trajetória de um partido social democrata, mas aclimatado às condições brasileiras. É o que afirma com exclusividade ao Jornal Opção o historiador Lincoln Secco, autor de “História do PT” (2011), 314 páginas, Ateliê Editorial. É a primeira história pós-oito anos de Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto. Ele faz a autópsia da estatização da legenda. Fundo partidário, contribuição compulsória de quem ocupa cargo público e utilização da máquina sindical teriam sido as reais fontes de financiamento da sigla nos anos 80. Com a conquista de espaços no Executivo e no Legislativo, o grau de dependência se agravou. Secco avalia que o PT adotou a tática correta ao não ir ao Colégio Eleitoral (1985), e destaca que o partido fez leitura invertida da realidade, em 1994, sobre o Plano Real. “A moeda forte era um fetiche”, explica. Após exorcizar a expulsão de Paulo de Tarso Venceslau, Secco frisa que José Dirceu foi o principal responsável por disciplinar e moderar o discurso petista. “Ele foi tão responsável pela vitória de 2002 quanto Lula”, dispara. O historiador insiste que a estrela vermelha errou ao reintegrar Delúbio Soares. “As quedas ministeriais favorecem o governo diante da opinião pública. No Brasil, as pessoas costumam achar que o presidente tem boa vontade, mas é prejudicado por um bando de deputados e assessores corruptos. Isso é histórico”. Dilma Rousseff, apesar de algumas falhas, está no rumo certo.


O que há de exclusivo em “História do PT” (Ateliê Editorial,2011), de sua autoria?

Na verdade, esta é a primeira História do PT que pode avaliar a trajetória do partido desde o seu nascimento até o teste de oito anos de poder no governo federal. Além disso, espero ter mostrado um novo critério de interpretação da história petista, analisando o ponto de vista das bases, a diversidade regional do partido, a forma de funcionamento dos núcleos entre outras coisas. Fui um pouco testemunha ocular da história do PT. E numa época em que era possível conviver de perto com futuros dirigentes petistas sem esse distanciamento que existe hoje. Mas devo avisar que escrevi o livro numa forma ensaística, concisa e dirigida aos jovens e a um público mais amplo. Por isso, criei um glossário do jargão petista e um histograma das tendências.

A construção da Articulação dos 113, em 1983, significou a adaptação do PT à ordem institucional no Brasil?

A Articulação só teve esse papel muitos anos depois. No início, era uma reação às tendências de esquerda que, na visão de muita gente, impediam a construção partidária. Para você ter uma idéia, os documentos da Articulação nos anos de 1980 seriam revolucionários para o PT de hoje. O seu surgimento se deveu principalmente à derrota de 1982 e ao medo que os sindicalistas e alguns intelectuais tinham de que o PT se fragmentasse pela ação das tendências de esquerda.

Do ponto de vista tático e também estratégico, o que significou a não-ida ao Colégio Eleitoral, em 1985?

Imediatamente, o PT foi derrotado e ficou isolado. Mas no longo prazo aquela decisão foi correta porque fortaleceu a identidade do PT na esquerda, enquanto os comunistas e o PMDB ficaram com a imagem de partidos da ordem.

Pós-queda do Muro de Berlim, o Congresso do PT, em 1990, deu uma guinada nas formulações da legenda?

Sem dúvida. Mas no meu livro eu acentuo também um fator interno que considero importantíssimo: a ida de Lula ao segundo turno um ano antes. É que o PT percebeu que era alternativa real de governo dentro da ordem.

O que significou a expulsão da Causa Operária e da CS do PT?

Foi mais simbólico, pois as correntes que saíram somadas não tinham nem 10% do partido. Mas aquilo já sinalizava o caminho de afastamento do PT de qualquer veleidade revolucionária.

A partir de 1988 o PT conquistou prefeituras municipais: representou o início da estatização da sigla?

A “estatização” é mais complexa. Ela não passa só por prefeituras. O PT que trocou militantes por funcionários usou os mandatos parlamentares, as prefeituras, mas também os sindicatos. Além disso, o financiamento público, seja pelo fundo partidário, seja pela contribuição compulsória dos mandatos, tornou o PT mais subordinado àquilo que os petistas chamam de capa preta, que é o mandão. Por exemplo, um deputado que desobedece ao diretório de sua cidade e às vezes manda no PT local.

Qual a sua análise da leitura inicial que o PT fez, em 1994, do Plano Real?

O PT ficou sem rumo, não entendeu o plano e começou atacando a nova moeda. Faltou compreender que a moeda forte era um fetiche de enorme importância na vida das pessoas. No meio da campanha o PT tentou consertar o discurso falando de moeda forte com salário forte. Mas no meu entender, desde a adoção do Plano Real aquela eleição já estava perdida para o PT. A falta de discurso e a divisão da cúpula naquele momento só ajudaram a piorar a situação do partido.

O que a cúpula do PT aprendeu com as derrotas eleitorais de 1989, 1994 e 1998?

A necessidade de ampliar as alianças decididamente e alterar o programa econômico. Mas isso só foi possível por causa da unificação interna promovida por José Dirceu, algo que eu detalho no meu livro.

As primeiras denúncias de corrupção envolvendo o PT foram feitas por um petista: Paulo de Tarso Venceslau. O que significou?

Aquilo foi estranho. Embora eu só cite de passagem o caso no meu livro, eu me lembro que o PT criou uma comissão de ética para apurar a denúncia e o comportamento do Paulo de Tarso e depois resolveu expulsá-lo. Creio que foi um erro porque sinalizava para a militância que qualquer futura denúncia não seria ouvida pela direção e poderia ser punida com a expulsão.

Quem arquitetou o arco de alianças que levou Lula à vitória, em 2002?

A resposta é fácil e conhecida, embora nem sempre reconhecida. José Dirceu foi o principal responsável por disciplinar e moderar o discurso petista. Ele foi tão responsável pela vitória de 2002 quanto Lula.

Delúbio Soares disse ao Jornal Opção que o Mensalão não existiu. O sr. concorda?

O Supremo Tribunal Federal é quem vai dizer se houve ou não. O que eu posso afirmar, enquanto historiador, é que eventuais atos de corrupção de dirigentes petistas não só desencantaram a velha militância como causaram uma guerra de parte da imprensa com o PT. Quanto ao Delúbio, mesmo tendo cometido faltas gravíssimas, ele teve um comportamento firme nas CPIs e talvez por isso tenha arregimentado certa admiração no interior do PT. Mas o PT errou ao reintegrá-lo na legenda.

O escândalo dos aloprados existiu ou foi mais um factóide criado pelo suposto PIG?

Curiosamente, os escândalos são denunciados e, depois, não dão em nada. Por que será? No caso em questão, tratava-se de um suposto dossiê que o PT iria comprar. Bem, comprar dossiê não é crime e nem escrevê-lo. Duas coisas ficaram por explicar. A primeira é o que havia no dossiê? A segunda é: houve transação financeira ilegal comprovada para a sua aquisição? Isto sim seria crime.

O Bolsa Família não é a negação do projeto original de luta de classes, do PT?

Se o PT abandonou a luta de classes não foi por causa do Bolsa Família. Desconheço qualquer político brasileiro, mesmo de esquerda, que tenha coragem de fazer campanha eleitoral contra o Bolsa Família. Ele representa a integração dos pobres no patamar ainda mais baixo da cidadania. Mas já é um pé na porta. O problema da luta de classes não está aí e sim no abandono do discurso socialista, na renúncia à reforma agrária, na desistência de uma revolução educacional e urbana e especialmente em não buscar uma política econômica alternativa, mais inclinada à redução da taxa de juros e à taxação de grandes fortunas, por exemplo.

Como é possível classificar o PT, hoje? Socialdemocrata, socialista ou social-liberal?

No meu livro argumento que o PT teve a típica trajetória de um partido socialdemocrata aclimatado às condições brasileiras. Não se trata de um partido liberal por causa de sua origem, mas isso não quer dizer que o PT não adote elementos liberais em suas políticas públicas. Só que isso depende muito mais da conjuntura do que de decisão do partido. Se olharmos para os sociaisdemocratas europeus, onde eles se situam? Estão bem à direita da esquerda latino-americana.

Lula volta em 2014?

Historiador não faz previsões [risos]. Penso que tudo depende do acordo que existe entre ele e Dilma e do desempenho e vontade dela. É claro que, uma vez no poder, ela poderia se impor como candidata à reeleição. Mas seria um equívoco a oposição esperar que haja briga entre Dilma e Lula. Eles dependem um do outro.
Cinco ministros, cinco quedas. O que esperar da era Dilma Rousseff?

As quedas ministeriais favorecem o governo diante da opinião pública. No Brasil, as pessoas costumam achar que o presidente tem boa vontade, mas é prejudicado por um bando de deputados e assessores corruptos. Isso é histórico. No Antigo Regime europeu acreditava-se que o bom rei não era responsável pelos desmandos de seus ministros. A “faxina” da presidente Dilma é bem-vista na classe média. O que Dilma quer mais? O que ela mais necessita é contar com o apoio ou ao menos a indiferença desse vasto setor médio do Brasil que se estende por Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e pelo sul, onde há classe média, agronegócio e, conseqüentemente, maior apoio ao PSDB. Por outro lado, a queda de ministros prejudica a relação com o PMDB e com a base de apoio no Congresso. Mas, no geral, acho que Dilma Rousseff está indo bem.

Há, hoje, identidade programática entre PT & PSDB?

Há identidade em algumas políticas. PT e PSDB são partidos paulistas que se nacionalizaram. Só que o PT se nacionalizou quase completamente e o PSDB só parcialmente. Ambos defendem cotas raciais, políticas sociais compensatórias e estabilidade monetária, são laicos e tem uma elite ainda herdeira da luta contra a ditadura. O que os separa efetivamente é a gênese. O PSDB tem origem parlamentar e o PT uma origem extra-parlamentar. Assim o PT se enraizou nos movimentos sociais. 

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