domingo, 30 de dezembro de 2012

Ainda sobre o fordismo tupiniquim

Mergulhado no clima modorrento de final de ano, começo a retomar meus estudos sobre o que denomino de fordismo lulista. Tateei algo no final do ano, numa primeira aproximação que fiz. Vou reproduzir uma parte do texto por dia. Aguardo comentários, críticas, sugestões.
A primeira parte trata do conceito de fordismo, tal como sugerido pela Escola da Regulação.

O CONCEITO DE PACTO FORDISTA

O pacto fordista, ou fordista-keynesiano, foi sustentado como hipótese explicativa pela Escola da Regulação a partir da tese de Michel Aglietta defendida em 1974, intitulada “Régulation et crises du capitalisme”. Logo adiante, formou-se um núcleo de pesquisadores que concentraram suas preocupações acadêmicas a partir do marco teórico sugerido por Aglietta, envolvendo Robert Boyer, Alain Lipietz, Jacques Mistral, J. P. Benassy, J. Muñoz e C. Ominami. Era o período da crise capitalista do período 1973/1974, para alguns, desencadeada pelo aumento do preço do barril de petróleo forçada pelas deliberações políticas da OPEP, mas que para outros já estaria instalada no seio da estrutura lógica do Estado de Bem-Estar[1].  Há, contudo, uma linha convergente que se aproxima das teses centrais de Keynes e Kalecki[2].
Sinteticamente, todos teóricos desta linhagem sugerem uma periodização dos movimentos cíclicos do capitalismo a partir das transformações do trabalho assalariado, das tecnologias de produção e da emergência do consumo de massas. Os anos 1930 marcariam a emergência do fordismo nos EUA, fundado no consumo de massas a partir da indústria automobilística e da construção civil, pedra de toque do modelo rooseveltiano. Com o custo reduzido de bens de consumo os trabalhadores passaram a participar de um pacto produtivo, fundado na intervenção do Estado regulador. Para tanto, os custos da cesta básica de consumo dos trabalhadores passaram a ser administrados e até subvencionados pelo Estado-demiurgo que, na outra ponta, regulava o crédito para a indústria de maneira seletiva e setorial. Um ingrediente fundamental foi a domesticação do trabalho a partir do ritmo de produção definido pela esteira elétrica e pela disseminação de princípios da poupança e consumo familiar (lembremos que Ford foi o primeiro empresário de ponta que investe em ações programadas de orientação das famílias operárias a partir de visitas programadas de um exército de assistentes sociais que, mais tarde, dará origem aos princípios da psicologia industrial), aumentando significativamente a produtividade e aumento do lucro observado nos segmentos produtivos com alto valor agregado.
O ciclo mais vigoroso do fordismo teria ocorrido entre os anos 1930 e 1950, a partir do qual se espraiou para os países da Europa Ocidental e o Japão, entrando em crise ao final dos anos 1970.
David Harvey[3] propõe uma síntese do pacto fordista que pode ser sintetizado como modelo que se apoia num Estado centralizador e orientador, que implanta um aparato regulatório que tem por finalidade garantir um ambiente estável de investimentos e consumo. Assim, as políticas anticíclicas adotadas promovem, na prática, um pacto desenvolvimentista, envolvendo agentes econômicos e políticos. Os instrumentos principais do aparato regulatório, por seu turno, são: subsídio da cesta básica de consumo dos trabalhadores e crédito controlado e seletivo para segmentos produtivos, buscando regular o grau de endividamento setorial.
Harvey sugere que a data simbólica de surgimento do fordismo é 1914, com a introdução do dia de oito horas e cinco dólares como recompensa aos trabalhadores da linha automática de produção de automóveis. Tais inovações propiciaram controle absoluto sobre a produtividade do setor e possibilidade de transformar o custo dos salários em investimento para a emergência do mercado consumidor de massas nos EUA. O geógrafo norte-americano retoma Gramsci para afirmar que os novos métodos de trabalho são inseparáveis de um modo específico de viver e de pensar e sentir a vida, envolvendo formas de sexualidade, família, coerção moral, consumo e ação de Estado.
A inovação fordista gerou, para Harvey, forte disciplina operária, não apenas na produção, mas na organização dos hábitos de consumo. Com efeito, o segundo foco passou a ser, já em 1916, educar o consumo das famílias operárias. Neste ano, Ford enviou um exército de assistentes sociais aos lares dos trabalhadores para compreender a dinâmica familiar  e sua capacidade de consumo.
O sistema fordista foi se engendrando ao longo de meio século, ganhando seu formato definitivo com os programas anticíclicos do New Deal[4]. A partir de então, segundo Harvey, forjou-se um sistema social e produtivo, que começará a ruir a partir de 1973/1974, com a crise aberta pela OPEP com aumento do preço do barril de petróleo. Um período de consolidação do que o autor denomina de indústrias portadoras de tecnologias amadurecidas do pós-Guerra: carros, construção de navios e equipamentos de transporte, aço, produtos petroquímicos, borracha, eletrodomésticos e construção civil. Afirma o autor
O Estado assumiu novos papéis e construir novos (keynesianos) poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processo de produção. (...) A derrota dos movimentos operários radicais que ressurgiram no período pós-guerra imediato, por exemplo, preparou o terreno político para os tipos de controle do trabalho e de compromisso que possibilitaram o fordismo[5]
O Estado passou a patrocinar a produção de massa, as condições de demanda relativamente estáveis e controlar os ciclos econômicos. Em outras palavras, o centro político desta lógica é a construção da paz social e pacto desenvolvimentista.


[1] Não há consenso sobre a unidade conceitual que envolveria os vários autores que se valeram das teses centrais da Escola da Regulação. Alguns autores sustentam uma corrente liderada por Grenoble, uma segunda corrente de Amsterdã, uma terceira dos alemães “derivacionistas”, uma quarta norte-americana. Ver JESSOP, Bob. Regulation Theories in Retrospect and Prospect, Barcelona, 1988. Ver, ainda, AGLIETTA, Michel. Accumulation et régulation du capitalisme en longue période. L’exemple des États-Unis (1870-1970), Paris:INSEE, 1974; e BOYER, Robert. A teoria da regulação.  Uma análise crítica, São Paulo:Nobel, 1990.

[2] Michel Kalecki estudou as flutuações cíclicas das economias capitalistas desenvolvidas, tendo o estudo de 1933, intitulado "Esboço de uma Teoria do Ciclo Econômico", como o mais completo por ele produzido. Neste e em estudos posteriores, sustenta que as economias capitalistas se desenvolvem dentro de um padrão cíclico, se expandindo, mas formando um movimento ondulatório, flutuante, ao longo do tempo, relacionado ao nível de investimento e consumo. Num segundo momento, entre 1950 e 1960, estudou as economias denominadas naquele período de subdesenvolvidas, tendo em seu estudo "O Problema do Financiamento do Desenvolvimento Econômico" um marco em suas análises (publicado no México em 1954). Comumente se afirma que Kalecki era um autor keynesiano, embora o correto seja o contrário: várias de suas teses foram incorporadas aos estudos e plataformas de tipo keynesiano.
[3] Ver HARVEY, David. Condição Pós-Moderna, São Paulo:Edições Loyola, 1993.
[4] O debate acadêmico sobre as origens do New Deal permanece até hoje. Nos seus primeiros cem dias, o New Deal implantou o Emergency Banking Act, transferindo recursos federais para bancos privados; o Federal Deposit Insurance Corporation, que garantia depósitos bancários; o Securities Act, que regulava o mercado de ações para combater especulações; o Home Owners Refinincing Act, que regulava os pagamentos de hipotecas. Uma gama de leis regulatórias. Também foram normatizadas a produção industrial e agrícola, ale de ser montada uma ampla rede de assitência social, como a Civilian Conservation Corps. No final de 1933, criou a Civil Works Administration para alicerçar obras públicas. O diagnóstico governamental se pautava pelo desequilíbrio entre produção e capacidade de consumo. Ver LIMONCIC. Flávio. Os inventores do New Deal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
[5] HARVEY, David. Condição Pós-Moderna, op.cit., p. 125.

Um comentário:

ACORDE, OS FARAOS APENAS MUDARAM DE NOME, E COMO SEMPRE, QUEREM NOS ESCRAVIZAR... disse...

Amigo está muito contextualizado, porém o que Lula segue são os comandos do clube de Roma, em que líderes mundias se reunem anualmente e as famílias mais ricas traçam as diretrizes pro imenso gado humano e burro, em que esses luciferanos ditam as leis a serem seguidas a ferro e fogo.