quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Por uma outra Câmara



Recebo o discurso de Chico Alencar, que foi anti-candidato à Presidência da Câmara Federal (pelo PSOL-RJ), sobre a crise de representação política no Brasil. Conheci Chico pelos livros. Minha esposa, que é historiadora, me mostrou, anos atrás, o "Brasil Vivo" (Editora Vozes) e fiquei bem impressionado. Depois, soube do engajamento dele e acompanhei, com certa tristeza, sua mudança de partido (porque fazia parte da mesma frustração que eu tive com o PT, anos atrás).
Neste discurso, Chico fala de um outro parlamento. Um parlamento que cumpriria, nas suas palavras, o óbvio: representar a população, fazer leis e fiscalizar o Executivo. E sugere que o parlamento seja uma usina de debates de ideias.
A eleição para a mesa diretora da Câmara Federal já ocorreu. Portanto, publicar seu discurso não significa qualquer preferência ou campanha subliminar. Como afirma seu autor, trata-se de um discurso sobre o óbvio. E, por este motivo, tem que ser lido: até o óbvio parece radical neste país.
 
O SR. CHICO ALENCAR (PSOL-RJ) - “O otimista é um bobo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. Eu lembrei dessa assertiva, do genial Ariano Suassuna, quando estava vindo para esta tribuna. O que mais importa nesta votação para a Mesa Diretora como um todo e para a Presidência do Poder Legislativo é o que queremos do Parlamento. (...)
 
O Parlamento no Brasil está mal. O Parlamento, os partidos políticos. E o pior de tudo: isso leva ao desalento e ao desencanto com a atividade política, que não se dá só no Parlamento.  Que Câmara dos Deputados queremos? Parece óbvio, mas o óbvio muitas vezes é esquecido nesta Casa. Queremos uma Câmara que cumpra a sua função de representar a população, e representar não é substituí-la. É reconhecer seu dinamismo, suas organizações e suas expressões, não apenas através da delegação que recebemos com o voto. (...)
 
A nossa função não é reproduzir os próprios mandatos. As emendas individuais são criticadas por nós não por atender à demanda concreta de um munícipe, de um conjunto de cidadãos, mas por serem usadas para o clientelismo, para o fisiologismo, e muitas vezes na mera perspectiva do mandato futuro. Nós temos que votar, por exemplo, o Projeto que veda expressamente o pagamento de emenda parlamentar individual a assessor, parente, qualquer pessoa que tenha vínculo com o proponente. É o óbvio, mas o óbvio nem sempre acontece. As emendas carecem de racionalidade no escopo das grandes políticas públicas. Senão nós, Parlamentares, ficaremos a mendigar o pagamento de emenda e, quando elas não se efetivam, às vezes até fazendo “greve”, com o discurso enganoso de que o Orçamento tem, sim, que ser impositivo e realista. (...)
 
A função de representar a população é a de legislar - e há cerca de 300 mil leis federais! Mas é também de zelar pelo cumprimento das leis. Isso significa se indispor, muitas vezes, com a autoridade local, estadual ou federal que não  cumpre a lei.  Há 2 anos chorávamos 860 mortes e mais 500 desaparecidos na tragédia das chuvas da região serrana do Rio de Janeiro. Por quê? Porque a lei não é cumprida. Cumprir a lei no Brasil é revolucionário! De lá para cá, o que houve? Desmando, corrupção, morte sobre morte. Agora estamos aqui chorando a dor igualmente trágica da perda das vidas jovens, em Santa Maria. Por quê? Porque as leis que fizemos, inclusive no âmbito municipal e no estadual, não são cumpridas. (...)
 
Além de representar a sociedade e fazer leis, é papel irrenunciável do Parlamento fiscalizar o Executivo. Avalizar o predomínio do PMDB, esse partido de “moral homogênea”, como dizia o Deputado Márcio Moreira Alves, no Senado e na Câmara, é um perigo para a democracia brasileira, porque você acaba fazendo com que o oficialismo predomine, e esse poder irrenunciável de fiscalização do Executivo que temos fica apequenado. Haja vista o que aconteceu com a CPMI Cachoeira/Delta. Foi um acordo: “protege os meus, que eu não toco nos seus”. E a Delta, que é uma cachoeira de corrupções, empreiteira que financia campanhas, ficou protegidíssima.  O poder de fiscalizar é irrenunciável, mas não fiscalizamos bem. (...)
 
O Parlamento tem que ser uma usina de debates de ideias para a sociedade: o direito das minorias, a livre expressão humana, o monopólio dos meios de comunicação de massa, a necessidade da sua democratização, o marco regulatório da Internet, tudo tem que ser debatido. A crise ambiental! A crise ambiental num planeta que vai esgotando os seus recursos naturais e pode viver uma situação terrível e profunda de insolvência. Hoje, dia 4 de fevereiro, a humanidade vai produzir mais comida do que ela necessita para se alimentar e um terço disso vai ser jogado no lixo, mas um quarto dessa humanidade vai dormir com fome! Será que isso não é questão que diz respeito ao Brasil e ao Parlamento do Brasil? (...)
 
É preciso pensar grande. É preciso fazer a grande política.
O Presidente do Congresso Nacional, recém-eleito — e eu gostaria que os 56 Senadores que votaram em Renan dissessem o seu nome —, afirmou que a ética não é um fim, é um meio. Divirjo frontalmente.  Agostinho Neto dizia que “não basta que a nossa causa seja boa e justa, é preciso que nós sejamos justos e bons”. A ética não é meio nem fim, ela é princípio elementar, como o da legalidade, o da impessoalidade, o da publicidade, o da moralidade e o da eficiência. Princípios que, aliás, costumeiramente, desrespeitamos aqui na Casa. A ética é um elemento que está vinculado à moralidade pública do bem comum, do interesse coletivo e não do interesse menor e privado. (...)
 
Nossa candidatura é para tocar as consciências que estão incomodadas com o fato de termos um Parlamento que, em boa e má parte do seu tempo, só cuida do miúdo, do pequeno e do interesse particularista, daquilo que não é relevante para a sociedade. Resultado: o abismo entre a população e nós, sua representação, só tem feito se aprofundar. (...)
 
Ninguém aqui mencionou a Reforma Política. É impressionante! A Reforma Política, com financiamento exclusivamente público de campanha, merece ser enfrentada em plenário. Nós queremos um Parlamento que discuta e que se exponha. Debater a Reforma Política é fazer isso, senão estaremos condenados sempre a sucessivos mensalões do DEM, do PSDB, do PT, de quem mais seja, porque a porta de entrada da corrupção política no Brasil é o financiamento de campanha, e depois as trocas de favores, e depois as encomendas governamentais para garantir poder e mandato. (...)
 
Nós defendemos austeridade, inclusive com o fim dos 14º e 15º salários — também ninguém falou nisso, porque perde voto. Vamos trabalhar pela transparência absoluta de cada centavo que esta Casa gasta. Vamos fazer com que a Câmara não fique à margem dela própria, da sociedade e da população, que ela tem que representar bem, com intensidade. (...)
 
Eu acredito na consciência digna, na história de vida de cada um que está aqui para praticar, naquelas urnas secretas, que queremos sempre abertas, em todas as situações, o voto mais consciente e melhor para esta Casa. Para que não sejamos acusados de eleger a improbidade, o peculato, as malfeitorias, num estouro da boiada da naturalização do que é errado. Isso pode dar bode!
 
Agradeço a atenção.
Plenário Ulysses Guimarães, Câmara dos Deputados, 4/2/2013

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