segunda-feira, 27 de maio de 2013

Matéria da Folha relativiza ganhos da política de transferência de renda

Matéria divulgada hoje pela Folha (reproduzida abaixo) sugere que o ganho de renda auferido pelas políticas de transferência de renda não muda significativamente o patamar de exclusão social dos beneficiários, em especial, em relação ao acesso ao emprego e educação. Os jornalistas João Carlos Magalhães e Breno Costa analisaram os dados do Índice de Desenvolvimento da Família (IDF) e concluem que dificilmente as famílias que recebem bolsas de complemento de renda conseguirão sair de suas condições de exclusão sem políticas governamentais. Tal conclusão se alinha com a crítica mais ácida ao programa desde o seu início: a dificuldade de se pensar uma porta de saída para os beneficiários, criando forte dependência em relação ao Estado para se reproduzir socialmente.
Pelos dados divulgados pela Folha, o Bolsa Família estaria se consolidando como política de proteção (aquela que é sustentada pelos liberais) e não como política de promoção (aquela sugerida pelos socialdemocratas). Ao apenas proteger, afirmavam os liberais dos anos 1990, o Estado só garantia condições de sobrevivência e algo relacionado com competências para a concorrência no mercado. As políticas de promoção, ao contrário, investem recursos públicos para a superação das condições iniciais do beneficiário. Se formos rigorosos, nem mesmo a concepção liberal parece ser atendida na medida que o acesso à educação (um dos três pilares da proposta liberal, ao lado de segurança e saúde) estaria garantida.
A matéria reabre um importante debate público sobre o desenho das políticas federais que melhoram efetivamente as condições de vida da população a partir de sua instalação, mas não geram um novo patamar de cidadania no decorrer dos anos. Não se formaria uma nova dinâmica social a partir da proteção básica estar instalada o que sugere a "estatalização" no Brasil, termo utilizado por Claus Offe para denominar a dependência social em relação ao Estado.

Maior renda não erradicou miséria social
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
BRENO COSTA
DE BRASÍLIA

O governo Dilma Rousseff melhorou a renda dos pobres, mas não solucionou seus níveis miseráveis de acesso a emprego e educação. É o que revela um indicador que o próprio governo federal usa para analisar a pobreza no país, cuja base de dados de dezembro de 2012 a Folha obteve por meio da Lei de Acesso à Informação.
Chamado de Índice de Desenvolvimento da Família (IDF), ele é aplicado ao Cadastro Único (banco de dados federal sobre famílias de baixa renda) e possibilita uma mensuração detalhada da situação do pobres. Em vez de definir a pobreza só pela renda, como faz a propaganda oficial, o IDF a divide em seis dimensões: vulnerabilidade da família, disponibilidade de recursos (renda), desenvolvimento infantil, condições habitacionais, acesso ao trabalho e acesso ao conhecimento.
Cada uma delas ganha uma nota, que varia de 0 a 1, onde 1 significa que a família tem todos os direitos fundamentais ligado a cada dimensão garantidos, e 0 significa que tem todos eles violados. Juntas, essas seis notas criam uma média geral que, no caso dos pobres brasileiros, está em 0,61.
O índice de renda, por exemplo, está acima da média: 0,63. Essa performance tem relação com as mudanças feitas no Bolsa Família, que elevaram o orçamento do programa em cerca de 67%, chegando a R$ 24 bilhões. A última ampliação, feita em 2013 e, portanto não captada pelos dados obtidos pela reportagem, concedeu um complemento para quem tivesse rendimento mensal per capita inferior a R$ 70, considerado pelo governo teto para caracterizar a miséria.
Os problemas se localizam nas dimensões "acesso ao conhecimento" e "acesso ao trabalho". O índice da primeira, que capta a situação de adultos e de parte dos jovens, está em 0,38. O da segunda, em 0,29.
É difícil fazer uma análise comparativa dessas notas, uma vez que não existem cálculos recentes do IDF para toda a população. No entanto, uma maneira de traduzir as notas é pensar que o IDF foi concebido no segundo governo Fernando Henrique Cardoso para medir o grau de acesso a direitos fundamentais por meio de perguntas objetivas:  a cada "sim" a nota aumenta, e a cada "não", diminui. Aplicando essa ideia à nota geral, é como dizer que os pobres brasileiros têm acesso a 61% de todos os seus direitos fundamentais e são privados de 39% deles.
Em relação às notas mais baixas, é como dizer que eles acessam 29% dos direitos ligados ao trabalho e 38% dos relativos ao conhecimento. Alguns componentes detalham essas dimensões. Por exemplo, a proporção de famílias pobres com ao menos um adulto analfabeto, que supera os 80%.
Como o país experimenta algo próximo do pleno emprego, uma possível explicação é que a falta de formação nessa fatia da população é o maior limitador para que ela encontre trabalho.
A baixa nota das duas dimensões indica também que o número de pessoas que precisa do Bolsa Família não deve diminuir tão cedo, porque o emprego e a educação são tidas como as principais "portas de saída" do programa.
OUTRO LADO
O Ministério do Desenvolvimento Social afirmou que o país experimenta "inegáveis" avanços na educação e no trabalho, que não necessariamente são captados pelo Índice de Desenvolvimento da Família (IDF).
"O Cadastro Único tem particularidades, entre elas o fato de as pessoas buscarem o cadastramento exatamente quando enfrentam períodos de dificuldades socioeconômicas e choques negativos, como perda de emprego", afirmou a pasta. "Dessa maneira, os inegáveis avanços que o país teve nas áreas de educação e trabalho são muito mais bem capturados por meio de fontes de dados voltadas especificamente a esses temas, como, por exemplo, o Censo da Educação Básica."

Em relação à dimensão "acesso ao conhecimento", a pasta informou que ela está "focada na escolaridade dos adultos e não das crianças e adolescentes, público-alvo do acompanhamento das condicionalidades do Bolsa Família". A dimensão que mede o grau de desenvolvimento infantil obteve a melhor nota no IDF, alcançando 0,85. (JCM e BC)

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