sexta-feira, 24 de maio de 2013

Presidente com alma de prefeita

Matéria do Valor Econômico que revela o que se diz com frequência no meio político (incluindo petistas).




Presidente com alma de prefeita

 

Valor Econômico (Raymundo Costa, Mônica Scaramuzzo e Fernando Exman)

 

Eleita sob uma espécie de predestinação, a de fazer da Presidência um lugar para gerentes rigorosos, Dilma Rousseff viu-se cercada de expectativas de eficiência que seriam abaladas, sobretudo depois do "pibinho" de 2012. Seu estilo centralizador e impositivo está incluído nas críticas que são feitas, também na Esplanada dos Ministérios, às suas qualidades como gestora - que ela mesma define como a de uma "prefeita", sempre atenta a detalhes e cobrando resultados. Entre empresários ouvidos pelo Valor, a capacidade de administração da presidente é reconhecida, apesar de certa inapetência para a delegação.

Muitos, no entanto, consideram sua equipe fraca.


Um dos principais integrantes do governo chegou animado à segunda reunião do  ministério de Dilma Rousseff. Era janeiro de 2012. O primeiro ano de mandato da  primeira mulher a ocupar a Presidência da República decididamente não fora bom.  Em maio, Dilma contraiu uma pneumonia e ficou mais tempo que o esperado em  recuperação. A doença a abateu. Dois anos antes a presidente se submetera a um  intensivo tratamento de um câncer linfático. Em junho, demitiu Antonio Palocci,  ministro que deveria ser uma espécie de eminência parda na Casa Civil, dando  início a uma sequência de outras seis demissões no ministério, no que ficou  conhecido como "faxina ética". Para piorar as coisas, em 2011 o país teve um  crescimento pífio, de 2,7% do PIB.

O auxiliar de Dilma matutava sobre essas coisas quando a presidente começou a  falar. Aquela era a hora de deslanchar - pensou ele, ainda animado. As  principais gavetas da República estavam abarrotadas de projetos para a área de  infraestrutura, como as concessões de aeroportos, rodovias, portos e ferrovias.  Mas, à medida que a "presidenta" falava ele foi "afundando na cadeira". Dilma  disse que governaria "como uma prefeita" e anunciou a criação de um sistema de  monitoramento de todos os programas do governo federal. Falara a "gerentona" da  Casa Civil - a que gosta de mandar. Faltara o líder, aquele que convence e  estabelece as grandes metas, como os "50 anos em 5" de Juscelino Kubitschek.

Em vez de deslanchar, como esperava o auxiliar e amigo de Dilma, 2012 foi o  ano do "pibinho" - 0,9%. E a presidente começou a ser questionada como  "gestora". Até o venerável "Financial Times", em editorial desta semana, chamou  a atenção para o estilo centralizador e "mandão" da presidente. Na realidade,  segundo apurou o Valor, a formatação celular, ao lado do estilo  centralizador da presidente, é um dos motivos que travam governo, deixando-o  vagaroso e pesado. Dois ministros ouvidos pelo jornal disseram que o governo é  dividido em "células", no modelo da guerrilha, por razões de segurança. As  informações são compartimentadas e muitas vezes uma célula não sabe o que a  outra está fazendo.

O estilo "mandão" de Dilma era conhecido desde que se tornou ministra  das Minas e Energia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outros traços  marcantes apareceram ou se tornaram mais visíveis quando chegou à Presidência.  "Eu sou a presidenta, eu posso", passou a ser frase rotineira em conversas com  assessores próximos. Alguns pensavam, mas não diziam: "Pode, mas será que  deve?".

Nos últimos dias, o Valor procurou 18 importantes  empresários e altos executivos de grandes corporações do país. Dez concordaram  em avaliar a presidente como gestora, oito sob a condição de anonimato.  Administradora eficiente e perfil de liderança são qualidades que a colocariam  no radar de "headhunters" para importantes cargos de comando em grandes  corporações. Mas esses requisitos não são suficientes para bancá-la como uma  grande gestora, como foi alardeado pelo PT. A competência da presidente não é  colocada em dúvida, mas a de sua equipe sofreu um verdadeiro bombardeio dos  empresários e altos executivos.

"Ela está cercada de pessoas medíocres, que não a questionam. Todo mundo  morre de medo dela. Ela não tem humildade para escutar os outros. Não dá para  ter 39 ministérios, 39 subordinados. Em uma empresa, esse modelo não  funcionaria", disse um alto executivo de um banco de investimento. A imagem de  pessoas centralizadoras hoje está muito associada a empresas de donos,  fundadores de grandes grupos de primeira geração. "Fui muito centralizador, mas  esse modelo não funciona mais. Tem que delegar e ouvir mais", disse um grande  empresário do setor de infraestrutura e energia.

"Assim como uma grande empresa, seria interessante terceirizar funções e  estabelecer metas para o alto escalão, cobrar resultados", disse Theo Van der  Loo,presidente da Bayer no Brasil. Para Luiza Helena Trajano, presidente da  Magazine Luiza, a presidente Dilma "possui um perfil técnico de gestão,  administrando essa complexa máquina do governo em busca de resultados como uma  empresa". Segundo a empresária, Dilma tem desafios como reformas necessárias ao  país, organização de alianças, inflação, crise internacional e o de avançar no  crescimento continuando com a distribuição de renda. "O modelo da máquina  governamental emperra muitas das tentativas de administração mais ágil",  disse.

Lula, na visão de um empresário da agroindústria, não era considerado um bom  gestor, mas se cercou de pessoas competentes. "Ela não é cria política. Foi  colocada pelo PT. É como se um empresário colocasse o filho na presidência. É como se ela tivesse pulado a fila".

"Uma pessoa que não delega, como é o caso dela, não faz os processos andarem.  Isso não estimula equipes. Em uma empresa, por exemplo, esse modelo não permite  o crescimento de pessoas. Já existe uma preocupação política para 2014. Se ela  for reeleita no primeiro turno, vai exacerbar esse lado dela [autoritário]",  afirmou um alto executivo de uma grande construtora. Sem a obrigação de buscar a  reeleição, Dilma "vai tocar o terror", concorda um ministro.

Dilma parece ter ouvido as queixas dos empresários e abriu mais sua agenda. A  bem da verdade, diga-se que Lula, quando os dois se encontraram em Paris, no fim  do ano passado, sugeriu que a presidente conversasse mais com o setor privado.  No início de 2012, ela havia pedido que investissem no país. Dilma convocara o  encontro para "ouvir" os empresários. Falou cerca de 30 minutos, o ministro da  Fazenda, Guido Mantega, outro tanto e depois deu três minutos para cada  empresário expor seu ponto de vista. Em um dos encontros, o único empresário a  fugir das obviedades foi Joesley Batista, da JBF: "Estão dizendo que o problema  todo é aqui em Brasília, que o governo não decide nada".

Em pouco mais de cem dias de 2013, Dilma esteve mais com empresários que nos  dois primeiros seis meses de seus dois anos de: Foram 36 audiências públicas e  participação em eventos, segundo a sua agenda pública. Em seis meses do ano  passado foram apenas sete. Dilma abriu mais sua agenda não só a empresários, mas  também a políticos e ministros. Isso foi logo associado à ideia da reeleição.  Para o Palácio do Planalto, nada mais natural: o governo ficara virtualmente  paralisado, entre julho e dezembro do ano passado, enquanto discutia as  concessões de aeroportos, rodovias, energia elétrica, portos e ferrovias. Havia  dias em que as reuniões demoravam até oito horas seguidas. Mas auxiliares de  Dilma reconhecem que a centralização na Casa Civil não torna "mais ágil" o  governo.

A demora para decidir a que se referiu Joesley Batista é outro aspecto que  ministros e empresários criticam em Dilma. Até hoje, por exemplo, ela não  indicou um ministro para a vaga de Carlos Ayres Britto no STF. Ele se aposentou  em novembro do ano passado. Ela já havia demorado quase três meses para indicar  a ministra Rosa Weber. Não se pode dizer que a demora é regra para a escolha de  ministros do Supremo: em apenas 18 dias ela indicou o ministro Teori Zavascki  para a vaga aberta com a aposentadoria, no fim de agosto - em pleno julgamento  do mensalão - do ministro Cezar Peluso. A mesma coisa ocorre em relação às  agências reguladoras - Dilma levou quase um ano para nomear o substituto do  atual governador de Brasília, Agnelo Queiroz, para a Agência Nacional de  Vigilância Sanitária (Anvisa).

Dilma reafirmou sua autoridade presidencial logo no primeiro ano de governo.  Herdara 15 ministros do antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. No governo  anterior, eram todos colegas. Agora, precisava dar uma demonstração de que os  tempos do governo Lula haviam passado, ela era a presidente e os ministros, seus  subordinados. Hoje, a escolha parece óbvia: Nelson Jobim, ex-presidente do  Supremo Tribunal Federal, e ministro da Defesa, era o candidato ideal.

Jobim já não era mais o colega que articulava com Guido Mantega, à época  ministro do Planejamento, contra o poderoso ministro da Fazenda Antônio Palocci,  mas agia como tal. E Dilma precisava deixar claro de uma vez por todas o "agora  quem manda sou eu". É verdade que o estilo do ministro - muito parecido com ode  Dilma - ajudou bastante a presidente. Em duas entrevistas em sequência, como se  estivesse testando a autoridade de Dilma, o ministro declarou que votara em José  Serra (PSDB) para presidente, que a ministra Ideli Salvatti era "muito  fraquinha" e que a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, sequer conhecia  Brasília.

"Você volte a Brasília que eu preciso falar com você", foi o recado curto que  ele recebeu de Dilma quando se encontrava em Tabatinga (AM), na fronteira do  Brasilcom a Colômbia. O vice-presidente Michel Temer, que o acompanhava, completaria a agenda programada e depois deu carona de volta ao pessoal deJobim  que ficara em Tabatinga. O ministro escreveu a carta de demissão a bordo do  avião da FAB, enquanto voltava para a cidade que Gleisi mal conhecia.

A demissão do ministro da Defesa não deixou de ser simbólica: demonstrou o  gosto da presidente pelo exercício da autoridade. Outros traços de Dilma já eram  conhecidos, como o centralismo, o detalhismo - quer saber tudo sobre todos os  projetos - e a capacidade de deixar interlocutores ruborizados. Um deles diz que  a "presidenta" - Dilma exige ser chamada assim - é bem informada, tem acesso a  muita informação de governo e interesse pessoal de "estar por dentro". Lê muito.  Dos jornais aos projetos de governo que leva para o Palácio da Alvorada. A  receita para o ministro agendado para uma audiência, portanto, é saber do que  ela já está informada e falar só o que a presidente precisa saber.

Não é incomum Dilma interromper o interlocutor com frases do tipo "não quero  falar disso" ou com perguntas sobre uma minúcia qualquer do funcionamento do  ministério que o ministro evidentemente desconhece. Os empresários estão certos  quando dizem que Dilma causa pavor aos auxiliares, inclusive ministros. Na  realidade, alguns preferem enviar seus secretários-executivos para os despachos.  É certo que Dilma às vezes até gosta, pois trata-se de alguém que ela mesma pôs  no posto - oficialmente, para ter uma visão alternativa da pasta; na prática, um  atento vigia dos atos do ministro e, às vezes, do próprio ministro. Garibaldi  Alves (Previdência Social), de início se queixava de não ter o que fazer - tudo  era tocado e formulado pelo secretário Carlos Bargas. Com o tempo, Garibaldi,  ex-presidente do Congresso, se acostumou e parou de se queixar ao PMDB.

Prova do prestígio de certos secretários-executivos: com seu relacionamento desgastado com o secretário Alessandro Teixeira, o ministro do Desenvolvimento,  Indústria e Comércio, Fernando Pimentel, amigo de guerrilha da presidente,  queixou-se de que a convivência entre os dois tornara-se insustentável e o  melhor seria a saída de Teixeira. Dilma concordou, mas parece não ter sido clara  o suficiente, para Pimentel, que desejava encontrar antes um outro lugar para o  secretário. Apressado, Pimentel assinou a exoneração e enviou o documento para a  seção que trata de pessoal no Palácio do Planalto. Avisada, Dilma desautorizou  publicamente o ministro e mandou devolver o ofício. Alessandro saiu. Mas quando  Dilma quis.


O Valor apurou que o ministro José Eduardo Cardozo, por mais  de uma vez, levou um projeto de um secretário do Ministério da Justiça para  apresentar àpresidente. E sempre voltou ao ministério com a mesma resposta a  seu auxiliar: não falara do projeto com a presidente porque Dilma não dera  abertura na conversa. Então, havia tratado especificamente do assunto pautado na  agenda.

Cardozo, ex-deputado e um dos "três porquinhos" do comitê eleitoral de Dilma  (os outros dois eram os também gordinhos José Eduardo Dutra e Antonio Palocci),  ainda é um dos ministros com mais acesso a Dilma. Nos quase dois anos que passou  na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Moreira Franco esteve comela  apenas uma vez - levado pelo vice-presidente Michel Temer.

Brasília é uma cidade de muros baixos e os congressistas não são propriamente  conhecidos por guardar segredos dos outros. O próprio Cardozo, conta-se no PT,  foi surpreendido por anúncios de medidas de defesa do consumidor feitos por  Dilma no Dia da Mulher. Ele apenas havia comentado, numa audiência anterior, que  estava trabalhando "em medidas na área da defesa econômica". Não tinha nada  pronto.
No PMDB, Edison Lobão (Minas e Energia) costuma reclamar que não consegue  nomear ninguém para a pasta que dirige. Em conversas com jornalistas, é só amor:  "A presidenta é uma pessoa extremamente competente, tem boa memória e não é  exatamente centralizadora, como se diz. Apenas quer saber se o argumento do  ministro é consistente".

O Código de Mineração levou nove anos sendo elaborado pelo ministério que, no  governo Lula, foi comandado por Dilma Rousseff. Toda semana Lobão responde que  "em 15 dias" o projeto será enviado ao Congresso. Isso, já há mais de ano.  Aliás, nesta semana, o ministério informou que o código estará no Congresso nos  próximos 15 dias. Segundo Lobão "as questões de concessões demoram porque têm  que ser decididas com segurança".

O ministro exemplifica: quando foi criado o grupo de trabalho para fazer o  marco regulatório do Pré-sal, "pensávamos em resolver tudo em três meses.  Levamos três anos". Sempre que os projetos ficam prontos, Dilma diz: "Vamos  espancar a lei". Isso significa esmiuçar cada artigo do projeto em busca de  erros, contradições com a legislação existente, sua constitucionalidade. "Isso  leva tempo", diz Lobão. É o que estaria acontecendo, no momento, com o programa  para importar 10 mil médicos - 6 mil cubanos - que tanto aflige o ministério da  Saúde. A Casa Civil ainda está "espancando a lei": qual tipo de visto será  concedido aos médicos estrangeiros?

A boa memória não é um traço a que as pessoas costumam se referir quando  falam de Dilma. Mas Lobão tem um caso. Numa recente reunião no Palácio do  Planalto, a presidente lembrou e contou em detalhes um episódio ocorrido durante  a discussão do Pré-sal. Lobão defendia a participação de 30% da Petrobras em  todos os blocos licitados. O então presidente da estatal, Sérgio Gabrielli,  queria uma participação de 5% para a empresa. A certa altura, Lobão interveio,  provocando risos: "Poxa, parece que o único comunista aqui sou eu". Dilma foi  guerrilheira; Gabrielli, é do PT, um partido de traço intervencionista.

A presidente também sabe recuar, quando isso é importante para atender seus  interesses. É o caso da "faxina ética" de 2011, quando seis ministros - além de  Jobim - perderam o cargo. Ela reintegrou ao governo até o PR, donatário do  Ministério dos Transportes e alvo de muitas suspeitas.

Dilma avalizou a retomada dos aumentos dos juros (taxa Selic) com a mão  direita e, com a esquerda, a desoneração de impostos de produtos da cesta  básica. "Aparentemente, com a volta do aumento da taxa de juros pelo Copom e a  disposição da presidente de ampliar os incentivos monetários e fiscais ao setor  produtivo, poderá haver dois movimentos contraditórios: um do governo,  acelerando, e outro, do Banco Central, puxando o freio de mão. Isso pode  resultar em derrapagem", alerta Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento  Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Dilma também misturou a  renovação dos contratos das concessionárias de energia elétrica com a redução da  conta de luz. Foi criticada pelo empresariado e pelos governadores de Minas  Gerais, São Paulo e Paraná, todos sob o comando do PSDB do senador Aécio Neves,  seu provável adversário na eleição presidencial de 2014. Pura política.

Os três Estados não aderiram ao plano de Dilma de antecipar a renovação de  suas concessionárias no prazo por ela estabelecido. O Congresso, ao votar a  medida provisória, quis incluir uma prorrogação de 30 dias para a adesão dos  Estados. Dilma não deixou. Além da questão política, havia um quê de revanche na  atitude da presidente. Auxiliares mais próximos já observaram: Dilma guarda o  rancor na geladeira. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) já provou desse  veneno.

A CUT não apoiou as mudanças que a presidente fez na caderneta de poupança.  Em retaliação, ela segurou até dezembro um projeto sobre a Participação no Lucro  e Resultados (PLR) que interessava à entidade. E encarregou a ministra Gleisi de  fazer o anúncio. Os sindicalistas estavam acostumados a se reunir com Lula e depois descer até a sala de imprensa para anunciar a medida acertada. Uma demonstração de prestígio que faturavam com seus dirigidos.

O movimento sindical está ressentido por Dilma "primeiro ter recebido o  Trabuco e só depois os trabalhadores". Os sindicalistas referem-se ao encontro  dapresidente com o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, em  janeiro último. Dilma não foi às comemorações do Primeiro de Maio deste ano. Em  algumas delas apareceram faixas com os dizeres "Volta Lula". Feitos, segundo se  diz no meio, por encomenda da Força Sindical.

"O processo de governo é muito ruim", diz um ministro que tem uma pilha de  projetos sendo "espancados" na Casa Civil. Os empresários criticam os ministros  e os ministros, com raras exceções, criticam a Casa Civil da ministra Gleisi  Hoffmann, habitada, segundo eles, por técnicos jovens, inexperientes e, às  vezes, arrogantes. Não é raro um deles ligar para um ministro de Estado a fim de  tomar satisfações sobre algum projeto. Constrangidos, os ministros respondem. Na  época de Dilma, havia Teresa Campelo e Miriam Belchior. Elas faziam esse papel.  As duas viraram ministras. Uma do Desenvolvimento Social e a outra, do  Planejamento.

O estilo Dilma faz escola no governo. Em uma reunião recente entre técnicos  dos ministérios do Planejamento e da Integração Nacional, discutia-se a  liberação de verbas para municípios e a secretária-executiva do Planejamento,  Eva Chiavon, mandou fazer a "transferência fundo a fundo", como se diz no  governo. O pessoal da Integração Nacional achou por bem advertir que esse era um  dos mais conhecidos focos de corrupção. "Manda para os municípios e os prefeitos  que se expliquem depois aos tribunais de contas deles". Alguém advertiu que já  não era bem assim hoje, como demonstram decisões do Tribunal de Contas da União,  mas principalmente agora que o STF acatou a teoria do "domínio do fato" para  condenar José Dirceu como mandante do mensalão. Eva não se deu por vencida e  saiu-se com a frase que encerra muitas discussões: "A presidenta mandou".

Recentemente, o secretário-executivo de um ministério teve de largar a  reunião do conselho de uma estatal vinculada, sediada no Rio de Janeiro, para  uma reunião em Brasília, chamado por um dos "meninos da Casa Civil". Ele ainda  tentou refugar, mas não teve outra saída quando o rapaz rebateu: "A presidenta  quer".

"A presidenta não se conforma com avaliações genéricas. Ela quer saber dos  resultados, dos detalhes", diz a chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. "Ela  questiona, pede correções, reorienta. Isso é fundamental para o sucesso de um  programa e de um projeto", explica. "Às vezes, até pode demorar um pouco mais.  Mas ele é bem estruturado e dá resultado consistente. Não podemos ter projetos  superficiais e genéricos para lançar e depois não ter sustentabilidade".

Segundo Gleisi, "essa característica da presidenta é fundamental. Ela sempre  quer saber como estão os programas, chama os ministros, pergunta os dados, quer  as informações de execução, melhorias, resultados, intervém". Para a ministra da  Casa Civil, isso "é uma coisa muito positiva. Só dá certo porque ela [Dilma]  está cobrando". Para os críticos, é puro centralismo que atrasa e trava o desenvolvimento do país, que hoje já não é mais "o queridinho" entre os  Brics.

Formada politicamente na extrema esquerda, Dilma traz em sua "alma de  prefeito" - como já se referiu a si mesma em discursos - muito do que apreendeu  nos chamados anos de chumbo. "Ela sai (no governo) do intervencionismo de  esquerda para o mais puro liberalismo", tenta explicar um alto funcionário  próximo a Dilma. Na equipe econômica chama-se as escolhas de Dilma de  "estilingadas", decisões que, depois de tomadas, batem num muro e voltam. Só um  ano e meio depois de estar no comando do governo ela se convenceu de que o  Estado brasileiro não está em condições de investir e admitiu fazer as  concessões. Ainda assim, tabelou por baixo o lucro das empresas, no caso das  rodovias. Voltou atrás, quando percebeu que não daria certo.

Visto do Palácio do Planalto, o panorama não é tão ruim quanto pintam  empresários insatisfeitos com o câmbio, banqueiros sem saber como trabalhar com  juros baixos e ministros muitas vezes em busca de afagos. Três exemplos são  citados como o início de uma mudança de humor dos investidores em relação ao  Brasil: o sucesso das emissões feitas pelo Banco do Brasil Seguridade, da  captação externa da Petrobras e a retomada das licitações de lotes para a  exploração de petróleo e gás.

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