quinta-feira, 18 de julho de 2013

Análise do artigo de Lula sobre manifestações de junho

O artigo de Lula, publicado nos EUA (em sua coluna no NYT), possui o grande mérito de explicitar a leitura daquele que ainda é o mais popular líder político do país. Todas pesquisas de intenção de votos publicadas no último período conferem vitória de Lula no primeiro turno das eleições de 2014. Sua liderança e carisma são incontestáveis, o que lhe impõe a obrigação de explicitar sua avaliação sobre a conjuntura política.
Destaco do artigo de Lula cinco teses centrais. Vou citá-las e comentá-las brevemente:

Tese 1: As manifestações de junho não negaram a política
Lula inicia seu artigo qualificando as manifestações de junho como indicação da necessidade de ampliação da democracia e participação cidadã. Rejeita, de cara, a maioria das teses petistas que perceberam nas mobilizações a negação da política. Trata-se de uma análise acertada, mesmo porque as demandas de junho foram muito similares às de Lula, em 1979, bastando consultar suas entrevistas e discursos à época. Em 1979, Lula rejeitava os partidos políticos. 

Tese 2: Jovens  que saíram às ruas não passaram pelos anos de penúria
Lula sugere, entretanto, que as mobilizações envolveram jovens que vivem uma situação socioeconômica melhor que seus pais, fruto das conquistas do país dos últimos anos. Sugere, ainda, que seriam fruto do acesso às universidades e que não têm na sua memória os anos de inflação ou de restrição das liberdades. Querem mais, sustenta.
Contudo, não é fato que os manifestantes fossem beneficiados pelas políticas sociais do lulismo. As pesquisas realizadas no interior das mobilizações indicam renda mensal familiar superior àquela definida por Marcelo Neri como Classe C. Também não há sinais de que as mobilizações tivessem uma clivagem de classe, do início ao fim. Mesmo porque, as pesquisas de intenção de votos e avaliação das manifestações revelaram que os protestos empolgaram a população brasileira, embora a avaliação do governo federal não tenha decaído tanto no nordeste e entre os brasileiros de mais baixa renda e instrução. Contudo, já se sentiam sinais de insegurança das populações beneficiados pelo bolsa-família (para citar uma das políticas lulistas), quando do episódio do boato do fim deste programa. O sentimento que tomou as ruas em junho, portanto, foram além dos protagonistas originais das passeatas. 

Tese 3: demandas pós-materiais
Lula acolhe a tese de alguns analistas que logo no início sugeriram que se tratava de uma onda de demandas pós-materialistas. Este conceito se apoia na percepção que quando as demandas básicas (materiais) são conquistadas, emergem demandas mais complexas como cultura, lazer e participação cidadã. Não há qualquer sinal a respeito dos fundamentos desta tese. Mesmo porque, o bolsa família, que envolve milhões de brasileiros, não gerou melhoria social a ponto de superar uma condição de restrição de consumo básico. O que gerou a ascensão social foi o aumento real do salário mínimo (variável que representa, segundo Marcelo Neri, 70% dentre as causas da ascensão social dos últimos dez anos). O bolsa família é uma política social de proteção, não de promoção. Ela garante a sobrevivência num patamar básico. Este público beneficiado não saiu às ruas. Mas foi impactado pela onda de críticas aos desmandos dos governantes e representantes políticos e qualidade dos serviços públicos. 

Tese 4: necessidade de partidos, mas com maior participação
Lula sustenta que a negação da política e partidos gera soluções de força. Como líder do partido que dirige o país há mais de uma década, não se poderia esperar uma suposição distinta. Mas Lula poderia ter sido um pouco mais ousado. Os partidos políticos se burocratizaram excessivamente durante sua gestão e criaram uma estrutura de poder apoiada no acesso de prefeituras aos convênios federais, devido à concentração orçamentária na União. Daí emerge o poder dos deputados federais, como facilitadores deste acesso, despolitizando o país (como ser oposição se qualquer prefeito depende deste guia para investir?). O resultado é que os deputados se apoiam num feudo territorial que vai além de seu partido, já que atende uma ampla clientela de prefeitos. Ora, esta situação vem aumentando significativamente o gasto de todas eleições, já que é do interesse de deputados federais que se realizem pesquisas periódicas de intenção de votos em sua base territorial, mesmo em municípios minúsculos, que se mantenham assessores/cabos eleitorais/operadores políticos em sua base, que se consulte periodicamente marketeiros e analistas políticos, que se mantenha toda uma estrutura de atendimento aos prefeitos e lideranças locais envolvendo localidades que nunca tiveram tal sofisticação à sua disposição. Como carrear tantos recursos para esta rede de lealdades? Lula não tocou nesta realidade que, ainda que subjetivamente, esteve informando parte da indignação dos brasileiros que apoiaram as manifestações de junho. 

Tese 5: PT precisa se renovar profundamente

Este foi o recado mais contundente do seu artigo. Lula sustenta que o PT "precisa renovar-se profundamente, recuperando seu vinculo cotidiano com os movimentos sociais", "dando respostas novas a problemas novos", "e sem tratar os jovens com paternalismo". Tais afirmações praticamente sustentam que o PT nega atualmente sua origem. O que seria, afinal, o contrário de suas sugestões? Que o partido não se relaciona mais com movimentos sociais, não consegue dar respostas às demandas novas e que perdeu a mão na relação com a juventude. Em outras palavras: envelheceu, vive uma espécie de aterosclerose política. Nesta direção, o maior petista que se tem conhecimento dá aval aos críticos do PT que afirmam que este partido se tornou reflexo do que criticava em seu nascimento. Um diagnóstico ácido e muito contundente. Não se trata de um mero conselho, mas de um parecer que refuta a prática recente de todo um conjunto de dirigentes e militantes (que, aliás, gritam nas redes sociais quase sempre negando o que este artigo de Lula sustenta). 

O artigo, portanto, é uma meia sola. Mas não se trata de um discurso oficial ou protocolar. Procura dar contornos ao que parecia uma rejeição ao PT. De fato, as manifestações de junho não rejeitaram o partido, a despeito da oposição procurar socializar esta versão. Mas não aprofunda os sinais que, tenho certeza, Lula capturou, justamente porque foram na mesma direção dos sinais que ele próprio lançou ao país no final dos anos 1970. A crítica ao seu partido foi o ponto mais agudo de sua análise. Se livrou o PT da primeira investida, não foi condescendente na segunda. Talvez o PT tenha sua segunda chance, embora não pareça que seus dirigentes e militantes tenham percebido a gravidade do momento. Mesmo porque, o autor deste artigo cáustico foi o criado da situação atual. Algo que faltou no artigo de Lula. Mas aí, seria pedir demais.    

2 comentários:

Construção Pesada Brasil disse...

Gostei da analise, acho que realmente seria demais exigir uma tese de autocritica profundo nos moldes tradicionais das autocriticas da esquerda em um artigo no Times.
Mas acho que permanece uma pergunta, quando o analista fala da pesquisa que coloca Lula como ainda o maior líder popular do pais mesmo depois das manifestações, se esquece de citar que o PT é o único partido que mantem a preferencia popular enquanto instituição partidária acima de dois dígitos alcançando mesmo depois das manifestações 20% da preferencia, e que o partido mais perto em segundo lugar e o PSDB com 5%. Ou seja o PT enquanto instrumento politico se mantem consolidado no imaginário e nas opções populares mesmo com o afastamento dos movimentos populares apontados no texto de Lula e corroborado pelo analista.
Desta forma como primeira analise o texto de Lula aponta uma critica correta na direção correta, ou seja a de mudar o rumo do que ele Lula tem governabilidade, que é o PT, e desta forma agir sobre a realidade social.
Finalmente acho que a analise deve ser mais aprofundada, para com a distancia necessária apontar efetivamente as raízes politicas e sociais dos protestos, pois com tudo que ouvimos fica claro para mim que a insistência da Rede Globo e das Grandes Mídias em se apropriar destas manifestações não é uma questão gratuita.
Eduardo Armond

Unknown disse...

Por que não vaiaram o papa?

Faz sentido a constrangedora louvação da mídia ao papa Francisco: se para ela o país vive em plena convulsão social, a tranqüilidade da visita do pontífice chega a parecer um verdadeiro milagre. Nenhum protesto bloqueou os passeios do santo homem. Não houve gritaria durante as suas aparições, desacato organizado aos fiéis, enfrentamentos nos locais de vigília. Sequer um indício de vaia.
Comparar biografias e cargos seria ridículo, mas as circunstâncias provocam um paralelo entre a passividade perante Francisco e o desrespeito contra Dilma Rousseff na abertura da Copa das Confederações. Ou entre a preservação da festa religiosa e os ataques ao evento esportivo, ambos de semelhante visibilidade mundial e respaldo financeiro controverso.
Ora, supondo corretas as explicações hegemônicas para os apupos jecas dos torcedores, concluiríamos que os indignados políticos aprovam o líder católico, ou pelo menos a instituição que ele representa.
Será que a juventude politizada esqueceu os inúmeros escândalos, de proporções e gravidades inéditas, que mancham a história do Vaticano? Teria se convertido à agenda obtusa, homofóbica e reacionária do catolicismo oficial? Guardaria um espaço para a fé e o misticismo nos seus rígidos protocolos revolucionários? Anarquistas respeitando os símbolos e interesses de um dos Estados mais antigos e inflexíveis do planeta? Guerreiros intrépidos, acostumados a combater policiais ferozes, com medo de crentes inofensivos?
Há muitas vias analíticas possíveis para abordar essas contradições. Bem poucas, no entanto, explicam a tentativa de ignorá-las.

http://www.guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2013/02/derrota-da-obsolescencia.html