terça-feira, 14 de janeiro de 2014

"É crueldade tratar rolezinho como arrastão" (minha entrevista ao IG)

“É crueldade de classe tratar rolezinho como arrastão”, diz sociólogo

Por Clarice Sá - iG São Paulo 


Rudá Ricci vê encontros como “occupy da periferia” e diz que despreparo político para lidar com participantes pode provocar reação similar à dos protestos de junho

Os rolezinhos organizados por adolescentes nos shoppings de São Paulo desde o fim do ano passado são reflexo da inclusão social baseada no consumo observada no País nos últimos dez anos, na avaliação do sociólogo Rudá Ricci. Ele explica o fenômeno também pela adaptação dos shoppings às classes populares e à falta de preparo de representantes para lidar com o fortalecimento da influência destas classes no processo político.
Os eventos, marcados em redes sociais, reúnem jovens para correr, ostentar roupas caras e paquerar. Comerciantes e frequentadores se assustam com a gritaria e o corre-corre provocado pelos adolescentes. Muitas lojas chegam as fechar as portas durante o evento. Na avaliação de Ricci, no entanto, o movimento não passa de brincadeira.
Veja fotos de rolezinho em São Paulo:
Ao menos 11 jovens foram detidos e levados para delegacia neste sábado (11), após rolezinho no shopping Itaquera. Foto: Wanderley Preite Sobrinho/iG São Paulo
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“É de uma crueldade de classe a gente tratar como se fosse um arrastão. Fico realmente surpreso de como somos tão preconceituosos no Brasil. Eles não estão fazendo nada. Ter medo de gente é demais”, diz o estudioso. Ricci afirma que os shoppings deveriam se adaptar à nova demanda deste público, oferecendo espaços de lazer e eventos para atendê-los.
O que atrai os participantes para os rolezinhos é justamente o posto de prestígio que os shoppings ocupam no mercado de consumo. “É onde está tudo, a TV de plasma, o celular, cinema, comida legal, gente bem vestida. Todo mundo quer estar lá”.
Veja imagens de rolezinho em SP antes da chegada da polícia:
Além disso, ele afirma que os encontros refletem um ressentimento dos jovens consumidores de classes populares que se afirmam ao ocupar o espaço com um movimento de massa. “Na hora em que eles estão em maioria e falam ‘essa praia não é tua, você não é dono’ para o bacana de nariz empinado. É uma forma de você externalizar um sentimento de ressentimento. 'Por que não tenho direito de estar aí? No fundo não temos nenhuma diferença. Sou consumidor, você também'”.
Neste ponto, Ricci vê uma proximidade entre os rolezinhos e os movimentos de ocupação desencadeados ao redor do mundo. Como um “occupy da periferia”, na medida em que se estabelece que é possível estar ali. “Não estou usando como uma dimensão mais politica de pensar em autogestão ou autocontrole. Eles nem de longe pensam nisso.”
No último sábado (11), houve repressão policial em um encontro no Shopping Itaquera, na zona leste. A polícia usou bala de borracha, cassetete e spray de pimenta para conter os jovens. Ao menos dez foram detidos - um deles ficaráinternado na Fundação Casa até fevereiro. No Shopping JK Iguatemi, no mesmo dia, uma liminar impediu o acesso de menores desacompanhados de adultos.
Veja cenas do corre-corre no Shopping Itaquera:
Para Ricci, a atuação da PM e da Justiça pode provocar reação popular similar à ocorrida nos protestos de junho, quando uma multidão tomou as ruas após ações violentas no centro de São Paulo. “A reação do governo e da PM pode politizar desnecessariamente essa mobilização.”
O ato registrado no último sábado demonstra uma lógica política mais voltada ao processo eleitoral que ao cotidiano do eleitor, na visão de Ricci. Ele aponta ainda a dificuldade da classe política em lidar com uma nova tendência que é o enfraquecimento da influência da classe média formadora de opinião sobre as classes populares na definição do voto.
Na avaliação dele, esta tendência teria provocado a virada de Fernando Haddad sobre Celso Russomano nas eleições municipais de 2012. Este fortalecimento das classes populares é notado desde 2006. 

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