quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Minha entrevista sobre os rolezinhos para a Agência de Notícias Japonesa Jiji Press

1- Qual a motivação por trás dos rolezinhos?
R: Diversão infanto-juvenil. São pré-adolescentes e adolescentes, na faixa de 11 a 17 anos de idade que se encontram há anos nos shoppings centers localizados nas periferias das capitais brasileiras. Nasceram das fanpages do Facebook cujos criadores são meninos (não há um único registro de meninas) que, na sua maioria, afirmam que desejam ser MCs. Os rolezinhos são encontros (o termo foi registrado na música "Chopis Centis", de 1995, do grupo musical Mamonas Assassinas) dos criadores desta páginas (chamados de ídolos) e seus seguidores (chamados de fãs). Um fenômeno que cruza o acesso à internet via smartphones e a explosão do consumo popular brasileiros nos últimos dez anos. Os garotos dos rolezinhos sempre frequentaram shoppings centers das periferias, compram de maneira voraz (vestuário, adornos, laptopos e smartphones de última geração), daí os rolezinhos serem agendados para acontecerem nesses lugares.

2- Um rolezinho chegou a reunir 6 mil jovens em um shopping. Uma aglomeração desse porte dentro de um centro de compras causam grande impacto e reações diversas. Esses encontros são organizados com intuito de causar bagunça, violência?
R: Não. Os rolezinhos são pura diversão infantil. Já ocorriam há pelo menos cinco anos. Alguns pesquisadores afirmam que desde o início do Século XXI já eram registrados esses encontros. Ocorre que há dois anos as fãs que se encontravam com seus ídolos nos shoppings de periferia começaram a presenteá-los. Ao postarem fotos em suas fanpages, rodeados de fãs e de presentes, estas páginas e os encontros marcados nas fanpages tiveram uma explosão. Qualquer adolescente da periferia se viu na possibilidade de se tornar uma celebridade, do dia para noite, o que alimentou a disputa por novos seguidores/fãs. Os ídolos passaram a ter ainda mais cuidados com seus fãs, respondendo suas mensagens, postando fotos dos encontros, vídeos, formando amplas comunidades de superexposição. Fazer parte de uma comunidade virtual como esta passou a ser motivo de prestígio, principalmente se a fanpage tiver mais de 2 mil seguidores. Em dois anos, estas fanpages se multiplicaram, assim como número de seguidores. Há registros de fanpages com 50 mil, 60 mil ou 80 mil seguidores. Uma febre entre jovens das periferias. Os rolezinhos, que envolviam até então 100 a 200 jovens, passaram a envolver milhares. Imagine um encontro de milhares de adolescentes, excitados com a superprojeção? Se comportam como nas escolas onde estudam: gritam e correm. Foi isto que assustou vendedores e consumidores mais velhos. E assustou, ainda mais, os frequentadores de shoppings centers de alto consumo que nunca foram frequentados por esses meninos e, portanto, não fazem parte da programação de rolezinhos.

3- Qual o papel das autoridades e como a polícia e os shoppings devem lidar com a questão?
R: Acolher os rolezinhos como manifestação infanto-juvenil de consumidores. Acolher e organizar. A cultura estamental do Brasil, profundamente intolerante em relação a comportamentos distintos daquele das elites, acaba por se contrapor ao espírito empresarial, de acolhimento e conquista de mais clientes. Os meninos dos rolezinhos são, de longe, os consumidores mais vorazes do país nos últimos cinco anos. Pesquisa do Data Popular divulgada nos últimos dias aponta que o potencial de consumo de jovens da classe social dos membros dos rolezinhos chega a 129 bilhões d reais, mais que as classes A e B somadas. O comportamento grupal é típico de pré-adolescentes, com muita gritaria, excitação e correria. Seria fundamental organizar esses encontros, incluindo fanpages criados pelos shoppings em seus sites. Poderiam, em pouco tempo, ampliar em muitas vezes seus cadastros de consumidores. Sugiro ainda outras ações, como organização de shows nos pátios de estacionamento, ofertas, premiações, eventos sociais e culturais. Ao invés de tratá-los como marginais sociais, deveriam orientá-los e cativá-los. Eles não estão invadindo shoppings já que sempre foram seus frequentadores.

4- Os rolezinhos podem chegar as ruas, trazendo outras demandas, como aconteceu com a onda de protestos de junho de 2013?
R: Dificilmente. São pré-adolescentes e adolescentes que nas suas fanpages afirmam odiar a política. Contudo, muitos estudos consagrados sobre movimentos sociais indicam que protestos vigorosos nascem do sentimento de injustiça. O tratamento discriminatório e exagerado que as polícias, parte da imprensa e classes médias tradicionais estão conferindo a esses meninos, muitas vezes classificando os rolezinhos como arrastões (o que, efetivamente, não são), pode gerar um profundo sentimento de injustiça. O fato é que no final da última semana, os "meninos de junho" tentaram agendar encontro com os meninos dos rolezinhos. Todas tentativas foram frustradas.

5- O senhor acredita que os rolezinhos continuarão a ocorrer?
R: Sim. Podem diminuir neste momento de maior confronto, mas estamos falando de um fenômeno típico das sociedades de consumo de massa. O Brasil viveu nos últimos dez anos o que os EUA viveram na década de 1950: a emergência de um potente mercado consumidor interno. Segundo o Instituto de Desenvolvimento do Varejo, o comércio varejista brasileiro cresceu 5,9% em 2013. E há muito o que crescer, ainda. Apenas 8% da população possuem televisão de tela plana (um dos fetiches das compras populares dos últimos dez anos) e apenas 54% possuem máquina de lavar roupa. Os meninos e meninas dos rolezinhos são filhos dos brasileiros que romperam, há dez anos, uma trajetória familiar de exclusão do consumo. O Brasil vive, ao contrário, a inclusão pelo consumo. Hoje, prestígio social é conferido pelos bens que você porta: smartphones e vestimentas importadas ou top de linha, viagens aéreas, acesso à internet, aquisição de casa própria, entre outros. As escolas públicas, desde o final dos anos 1990, acolheram esta juventude consumidora e está enfrentando, cotidianamente, este comportamento que agora está estampado nos rolezinhos. Nada de novo. Apenas um espanto das classes consumidoras tradicionais de um país desigual com o ingresso de massas populares nos espaços que antes somente eles frequentavam.

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