terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Por que comentei tanto sobre os rolezinhos? (1)


Por que comentei tanto os rolezinhos? (1)
Rudá Ricci

Chegou um momento que muitos internautas começaram a postar mensagens pedindo para mudar de assunto. Alguns citando diretamente para este que, novamente, escreve sobre o tema. Talvez não tenham sido tantos. Mas deu para notar.
A questão é que os rolezinhos tiveram dois importantes significados para mim. Vou citar um deles e, em outro momento, cito o segundo (que, adianto, trata-se da expressão de jovens que os professores de escolas públicas brasileiras já vivenciam desde os anos 1990).
Um dos significados do rolezinho é a revelação de mais uma face social deste país-mosaico.
Em pouco mais de um semestre, quatro faces escondidas nos fundões do país vieram à tona. A primeira, dos jovens universitários com algumas notas de espírito libertário. Muito marmanjo de esquerda desejava ver um novo Zé Dirceu ou um sósia do Luís Travassos. Talvez, um Wladimir Palmeira. Algo assim. Surgiram milhares, sem nome. Ninguém subindo num carro ou muro para discursar. Muitos cartazes. Os marmanjos de direita, bem, a direita é sempre meio velha, meio paranoica, meio passadista. Jovem definitivamente não combina com a direita. Existem, é verdade, jovens de direita, mas convenhamos que se trata de uma contradição em termos. Cuja síntese é sempre um velho. Alma de velho.
Em julho, a elite sindical deu sinal de vida. Era 11 de julho. . As centrais sindicais CSP-Conlutas, Força Sindical, CUT, CTB, UGT, NCST, CGTB, CSB definiram o dia como de greves, paralisações e manifestações de rua. Além dos carros de som, gente uniformizada, faixas feitas com esmero em gráficas, faltou povo e empolgação. Greve e manifestação de rua que é bom, só nos livros de história.
Balanço realizado pelos organizadores constatou que a maioria dos trabalhadores não foi para a rua, mas milhares de trabalhadores (não precisaram o número) aderiram às manifestações e ficaram em casa. Paulo Pereira da Silva, então Presidente da Força Sindical, concluiu: “por isso, até, a quantidade de pessoas que tinha na rua era menor do que o que vimos em manifestações anteriores”. O dia de manifestação programada pela elite sindical não empolgou porque há tempos as centrais sindicais se incorporaram à lógica estatal naquilo que Phillipe Schimitter denominou de neocorporativismo , ou seja, a tomada de assento da elite sindical nas arenas de decisão da agenda estatal.
Nos meses seguintes, os índices de popularidade perdidos em junho e julho foram sendo recuperados pelos governantes, em especial, pela Presidente Dilma. Pesquisa daqui e dali e logo surgiu o evidente: as classes menos abastadas, os assalariados e os que ganham bolsa família seguraram o rojão. No pior momento de desilusão dos brasileiros com o governo federal, nordeste e os que recebem bolsa família mantiveram o apoio ao lulismo.
Com efeito, na pesquisa Datafolha realizada entre 29 e 29 de novembro de 2013, a aprovação ao governo da presidente Dilma Rousseff subiu e chegou a 41%. Mas entre os beneficiários do Bolsa Família atingiu 53%. A aprovação de Dilma entre os que recebem o Bolsa Família é maior que os 47% do ex-presidente Lula nesse mesmo grupo de eleitores em fevereiro de 2006, ano em que ele foi reeleito. No início de 2010, quando Dilma Rousseff enfrentava sua primeira eleição, outra pesquisa Datafolha indicava que entre os beneficiários do Bolsa Família, 40% declaravam voto da pouco conhecida candidata lulista. A mesma pesquisa revelava que entre os beneficiários do programa habitacional federal “Minha Casa, Minha Vida”, era o candidato oposicionista, José Serra (PSDB), que saía à frente, com 35% das intenções de voto.  O impacto politico-eleitoral do Bolsa Família, como se percebe, é significativo, desde sua criação.
Contudo, o que parecia constituir uma forte tendência neoclientelista, se revelou algo mais fluido na medida em que novas pesquisas com beneficiários foram surgindo no país. A pesquisa mais completa e reveladora foi publicada no livro “Vozes do Bolsa Família”, elaborado por Walquíria Leão Rego e Alessandro Pinzani. Entre 2006 e 2011, os autores entrevistaram mais de 150 mulheres cadastradas no Bolsa Família, residentes no Vale do Jequitinhonha (MG), sertão e litoral de Alagoas, interior do Piauí e do Maranhão, periferias de São Luís e do Recife. Cada mulher foi entrevistada mais de uma vez, de modo que foi possível verificar as mudanças que experimentaram durante o período.
O estudo coloca por terra a noção simplória e linear do clientelismo, marcada pela relação alienante entre o beneficiado que é tutelado pelo seu protetor. As beneficiárias não sentem, assim como os “meninos de junho”, atração pela política oficial e pelos partidos políticos.  Segundo os autores uma maioria relevante das entrevistadas (cerca de 75%) afirmou que a bolsa é um favor do governo ou uma ação derivada do fato de o presidente Lula ter sido pobre e, portanto, conhecer melhor a situação dos pobres do que seus predecessores. Pouco mais da metade das entrevistadas afirmou votar somente por obrigação, mas quase todas reconheceram que os fatos de ter votado em Lula nas últimas eleições e de ele ter sido eleito à Presidência, mudaram sua vida. Contudo, não fica claro se e em que medida estabelecem uma ligação direta entre o fato de participar das eleições e o de o governo Lula (neste caso) ter ganhado e adotado políticas públicas de combate à pobreza que as afetam diretamente.
A pesquisa revela que não há interesse dos beneficiários pela política, nem processo eleitoral. Tampouco há alinhamento ou fidelização eleitoral dos beneficiários com partidos ou lideranças políticas. Votam por ser uma obrigação. E, em diversas passagens, os autores destacam que os beneficiários consideram ser justo receberem o benefício em virtude dos políticos profissionais se apropriarem do dinheiro público, muito acima do que seria seu direito, o que lhes dá direito para receber a bolsa. O recurso recebido é identificado pela quase totalidade dos entrevistados como insuficiente, o que as obriga a trabalhar em jornadas muito extensas.
Enfim, o voto governista se dá pela comparação com os programas e ações de outros partidos políticos e pelo passado do ex-Presidente Lula.
O pragmatismo dos beneficiários se revelou por completo quando do boato que se espalhou no país (em especial, no nordeste), em maio de 2013, sobre o possível cancelamento do benefício. O boato deu origem a 920 mil saques das contas dos beneficiários, em três dias, revelando a percepção deste público a respeito da segurança e sustentabilidade deste programa. Uma reação silenciosa daqueles que não haviam saíram às ruas no mês seguinte.
Finalmente, do nada, surgiu a quarta face até então escondida nas periferias das capitais do país: os meninos do rolezinho. Trata-se de um fenômeno oriundo da inclusão pelo consumo. Há dez anos, quando a geração anterior (parte parente direto desses pré-adolescente e adolescentes) rompeu a barreira da história familiar de indigência, eles tinham entre dois e sete anos de idade. Viveram sob o signo do consumo como validação do prestígio social. Ao fenômeno da inclusão pelo consumo se cruzou outro, o da transformação das redes sociais em principal fonte de comunicação entre jovens. Algo que já havia sido verificado nas manifestações de junho, mas que revelou seu potencial muito mais significativo e profundo nesses dias de rolezinhos.
Se a média de amigos virtuais no mundo é de 195 pessoas por usuário, no Brasil este número atinge 365. Segundo o IBOPE, mais de 80% dos internautas tem perfis em redes sociais. A participação de jovens em redes sociais é igual em todas as classes sociais. Segundo a Associação Brasileira de Internet, o acesso às redes pelas camadas menos abastadas se dá através de smartphones, o que gerou, em especial no nordeste do país, o fechamento de muitas lan house. Em nosso país, há 2,5 celulares por pessoa.
O Facebook, desde 2012, é a principal rede social utilizada pelos usuários brasileiros. Segundo a Experian Hitwise . No final daquele ano, esta rede atingiu um índice de 54,99% de participação no Brasil, frente os 18,24% registrados em 2011. O YouTube ficou em segundo lugar na categoria, com 17,92%, seguido pelo Orkut, com 12,42%, que registrou uma queda de 33,69 pontos percentuais em relação ao mesmo período de 2011. Mas como o mundo virtual é extremamente volátil e dinâmico, já no final de 2013 registrava-se o aumento significativo do uso do Twitter e WathsApp no mundo, superando o índice de crescimento do Facebook .
Os rolezinhos são encontros de proprietários de fanpage instaladas no Facebook, com seus seguidores. Pré-adolescentes e adolescentes do sexo masculino na faixa de 11 a 17 anos, moradores e frequentadores de shoppings centers da periferia dos grandes centros urbanos, chegam a administrar fanpages com 1.000, 5.000, 20.000 até 60.000 seguidores. São páginas de relacionamento e entretenimento de jovens que trocam pequenos vídeos, gracejos, fotos, anúncios de eventos sociais, formando uma comunidade ativa. Poucos anos atrás, ídolos e fãs (como se autodenominam donos de fanpages e seguidores) começaram a agendar encontros para se conhecerem. O local escolhido foram suas referências de consumo e diversão: os shoppings centers das regiões periféricas das cidades. Os encontros foram fartamente disseminados nas redes sociais que envolvem este perfil de jovem. Nos encontros nos shoppings (inicialmente denominados de “encontros de fãs”) seguidores presenteavam seus “ídolos” o que estimulou o surgimento de uma rede ainda maior de fanpages e seguidores. As comunidades virtuais multiplicaram seus membros o que aumentou o número de adolescentes que continuaram se reunindo em shoppings, confirmando a presença nos convites virtuais que se seguiram. Enfim, um fenômeno infanto-juvenil envolto na lógica do consumo como prestígio social que se propagou pelas redes sociais.
A reação das classes médias, administradores de shoppings e polícia militar foi discriminatória. Houve tentativa de criminalização, disseminando a falsa informação que os rolezinhos eram arrastões, promovendo furtos e agressões. Não houve registro e tanto a PM, quanto administradores dos shoppings onde ocorreu o fenômeno negaram qualquer situação anormal, além da correria e gritaria dos jovens que se reuniam em alvoroço.
A intolerância revelou mais uma faceta da transformação social porque passa o país. Talvez, o fenômeno dos rolezinhos tenha sido dos mais reveladores e agudos sinais das mudanças sociais e seus impactos sobre nossa propalada cultura da tolerância e convivência entre diferentes.

Enfim, parte do Brasil escondido mostrou a sua cara. Já é o suficiente para falarmos bastante deste assunto. 

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