terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Minha entrevista à Gazeta do Sul sobre manifestações e violência

– O senhor estuda as manifestações no Brasil desde junho do ano passado. De lá para cá, a impressão que se tem é que a violência dos protestos aumentou. É correto afirmar que os protestos vêm se tornando mais violentos? Por quê?R: Em termos. A violência esteve presente, de parte a parte, desde o primeiro momento. Veja que o estopim para que as manifestações se alastrassem por várias capitais brasileiras foi o vídeo "Sem Violência" que se tornou um vírus nas redes sociais. Bruno Torturra (do Mídia Ninja) gravou a PM avançando sobre os manifestantes que gritavam a palavra de ordem pacífica. Em todas manifestações houve exagero da PM. E em todas, ao final, alguns manifestantes reagiram com muita carga violenta. O que me parece que foi se alterando foi a postura dos governos e a legitimação, entre manifestantes, da reação violenta aos atos da PM. Mas, o que importa é que a violência é elemento constitutivo das manifestações desde junho do ano passado.

- De que forma esse aumento na violência (ou ao menos a impressão de aumento) está alterando o perfil das manifestações?
R: A reação de parte da grande imprensa e a senha governamental é que estão levando à uma situação de confronto aberto, sem porta de saída. Começou com a rejeição "in totum" das propostas da Presidente Dilma Rousseff que tentava, via plebiscito, canalizar as ruas para o campo institucional. A reação da grande imprensa e parlamentares foi irresponsável e conservadora. Não queriam alterar nada em meio à milhões de brasileiros que exigiam a mudança. O diálogo democrático foi interditado desde então. A partir de outubro, o Ministério da Justiça convoca secretários estaduais de segurança pública para reagir aos vândalos e anunciou a possibilidade de emprego das forças armadas durante a Copa. Em dezembro, publicam o Manual de Garantia da Lei e da Ordem. O manual inclui criminosos vinculados ao tráfico com manifestantes. Algo descabido. Na sequência, senadores petistas sugerem a aprovação imediata da Lei Antiterror. Felizmente a direção nacional do PT repreendeu senadores como Paulo Paim, com história de lutas sociais incontestável. O que esta sequência nos informa? Ausência de liderança política. Esta é a questão central. Muitos me perguntam se esta situação ocorreria se Lula fosse o Presidente da República. Exercício mental próprio de paranormais. Mas qualquer resposta desabona o sistema político vigente. Líder convence, empolga, dialoga, cria fato político. Qual gestor público, hoje, tem esta capacidade?

- Essa violência não faz com que a opinião pública se volte contra os protestos – diferente de junho, quando havia um apoio da população aos atos?
R: Não sabemos. No final do ano, 35% dos brasileiros (Datafolha) afirmavam que a Copa não trará nada de bom ao Brasil. Mais de 1/3 dos brasileiros. Há registros que o Palácio do Planalto tem dados recentes que revelam aumento deste índice. Por outro lado, o confronto e cerco aos manifestantes só aumenta o enfrentamento de rua porque os manifestantes já sabem o que os espera. Finalmente, se o Brasil perder a Copa, a indignação pode se somar. Não tenho uma resposta fácil a esta pergunta.

- É visto como tendência que os protestos se intensifiquem até o período da Copa. O senhor acredita que daqui até lá eles se tornem mais violentos?
R: Vai depender da reação dos governos, não dos manifestantes. Estão jogando gasolina na fogueira. Quem está no governo tem maiores responsabilidades políticas que os manifestantes, evidentemente. Mas estão se igualando em termos de reações emocionais. Uma geração desastrosa de gestores públicos: muito técnicos e sem nenhum traquejo político.

- A legislação em vigor é suficiente para impedir que os protestos se tornem atentados à ordem pública e causem mortes e feridos?
R: Sim, é. Quem deve atuar é a inteligência policial, os P2. E eles estão no interior das manifestações, alguns, declaradamente. Perguntei, recentemente, para um dos maiores especialistas em estudos sobre violência como os dados da inteligência policial são organizados. Ele afirmou que não são sistematizados e sorriu, desconsolado. A inteligência tem a função de se antecipar à violência.

- Uma nova legislação, com as que estão em discussão no momento, não correm o risco de se tornarem instrumentos de repressão à liberdade de expressão, que é um direito constitucional de todo cidadão?
R: O PT está plantando a legislação que poderá ser elemento de caça às bruxas, incluindo sua própria ação, no futuro, caso ele não seja mais governo central do país. A história é farta de exemplos. Como diferenciar manifestante de criminoso? Não é a ação exagerada da PM que se tornou o estopim de tudo? Segundo o Índice de Confiança na Justiça Brasileira (ICJBrasil), realizado pela Fundação Getúlio Vargas, 70,1% da população não confia no trabalho das diversas polícias no País, 8,6 pontos porcentuais acima do registrado no primeiro semestre de 2012. Enfim, leis draconianas serão aplicadas por uma instituição não confiável e profundamente deslegitimada no país. O que podemos esperar disto? Não seria a cereja do bolo para apartar de vez os órgãos de repressão pública dos cidadãos?

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