sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Rui Falcão e o apagar das luzes

Imagino que a quase totalidade dos brasileiros não se lembrará do nome dos presidentes dos partidos existentes em nosso país. Um cargo quase para consumo interno, portanto.
Mas no caso do PT, a regra deveria ser outra.
Primeiro, porque este partido já foi presidido por nada mais, nada menos, que Lula, o Presidente da República mais citado e discutido do período pós-regime militar.
Segundo, porque estamos tratando do partido que governa o país por 12 anos.
Rui Falcão é uma figura que me parece carregada, lúgubre.
Algo faz projetar o comissariado da Era Stálin. Estou me referindo à estética, o semblante, a cara de poucos amigos e certa desconfiança ou intolerância em relação a qualquer interlocutor. Não sei se foram os anos de VAR-Palmares, mas eu duvido. É que a dureza daqueles dias encarnou em muita gente que endureceu por dentro, pelo medo ou pela necessidade de ter um foco único e agudo, quase eliminando coisas e pessoas da paisagem. Os sentimentos tinham que ser absolutamente domados com ferro em brasa. O sangue lusitano se diluía e, com ele, tal como canta o Fado Tropical de Chico Buarque, o lirismo que herdamos da terrinha ficava cada vez mais opaco. "O meu coração fecha os olhos e sinceramente chora", dizia a música.
Rui Falcão foi o Presidente do PT que convocou a "onda vermelha". Mais adiante, um historiador sincero destacará esta proeza com toda gravidade que ela merece. Um erro político histórico. Grave.

Do alto de seu cargo de dirigente, já em outubro de 2012, Falcão postava:

Alô, alô militância – A campanha na internet continua, vamos fortalecer a #Ondavermelha

No dia 20 de junho, uma nota da direção nacional, assinada por Rui Falcão, trazia conteúdo similar:


Do PT Nacional – As manifestações realizadas em todo o País comprovam os avanços democráticos conquistados pela população. São manifestações legítimas e as reivindicações e os métodos para expressá-las integram o sistema democrático.
É papel dos partidos, do Congresso e dos Governos em todos os níveis dialogar com estas aspirações.
As transformações promovidas no Brasil nos últimos 10 anos, pelos Governos Lula e Dilma – com a ascensão social de 40 milhões de pessoas, a redução das desigualdades sociais, a geração de mais de 20 milhões de empregados com carteira assinada, o ingresso de milhões de jovens nas universidades, a ampliação de oportunidades para todos, enfim o surgimento de um novo País – colocam na ordem do dia uma nova agenda.
Avançamos e podemos avançar ainda mais. Na área de mobilidade urbana, que agora catalisa manifestações em centenas de cidades, várias conquistas ocorreram em governos do PT, como o Bilhete Único, pelo Governo Marta em São Paulo, que resultou na redução de 30% no custo do sistema. Bilhete este que será agora ampliado pelo prefeito Fernando Haddad, com validade mensal e novos ganhos para os usuários que ainda serão beneficiados com a decisão da abertura de corredores e duplicação de importantes vias de acesso à periferia.
O Governo Dilma, que destinou R$ 33 bilhões para o PAC da Mobilidade Urbana, editou Medida Provisória que zerou as alíquotas de PIS/PASEP e Cofins incidentes sobre as empresas operadoras de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário e ferroviário de passageiros, possibilitando a redução das tarifas.
O PT saúda, pois, as manifestações da juventude e de outros setores sociais que ocupam as ruas em defesa de um transporte público de qualidade e barato.
Estamos certos de que o movimento saberá lidar com atos isolados de vandalismo e violência, de modo que não sirvam de pretexto para tentativas de criminalização por parte da direita. Nesse sentido, repudiamos a violência policial que marcou a repressão aos movimentos em várias praças do País, sobretudo em São Paulo, onde cenas de truculência, inclusive contra jornalistas no exercício da profissão, chocaram o País.
A presença de filiados do PT, com nossas cores e bandeiras neste e em todos os movimentos sociais, tem sido um fator positivo não só para o fortalecimento, mas, inclusive, para impedir que a mídia conservadora e a direita possam influenciar, com suas pautas, as manifestações legítimas.
A insatisfação de parcelas da juventude em relação às instituições e aos partidos políticos revela a necessidade de uma ampla reforma do sistema político e eleitoral em defesa do que vêm se batendo o PT e outras organizações da sociedade.
Do mesmo modo, as manifestações têm mobilizado sua inconformidade contra o tratamento dado pelo mídia conservadora aos movimentos, inclusive pelo fato de, num primeiro momento, ter criticado a passividade da polícia.
Diante das demandas por transporte de melhor qualidade e barato, o Diretório Nacional do PT recomenda aos nossos governos que encontrem uma resposta necessária, que, no curto prazo, reduza as tarifas de transporte e, num médio prazo, em conjunto com os governos estadual e federal e com ampla participação popular, discuta soluções para um novo financiamento público da mobilidade urbana.
A direção do PT conclama a militância a continuar presente e atuante nas manifestações lado a lado com outros partidos e movimentos do campo democrático e popular.
São Paulo, 19 de junho de 2013.
Rui Falcão
Presidente Nacional do PT


Em meio às manifestações gigantescas convocadas por jovens em junho de 2013, o dirigente máximo do PT insistiu na convocação de outra "onda vermelha", agora nada virtual. Na convocação, foi além e disse que o PT não teria porque ter medo das ruas. Um equívoco locomotiva, com um vagão engatado no outro, numa fila sem fim de erros.
Convocar uma onda vermelha seria destacar os militantes no interior das manifestações que eram um verdadeiro mosaico de demandas e protestos. Mais: o PT é governo federal e governo na capital paulista. Não se trata mais, portanto, de um partido de protesto, mas o partido que dirige as mudanças desejadas pelas ruas. Se a população sai às ruas em protesto é sinal que seus governos não estão agradando aquela parcela da população que se manifesta. E é aí que o dirigente precisa ser maior que o militante. Tem a responsabilidade política de interpretar o fenômeno, analisar o que de errado ocorreu para criar tal descompasso partido/ruas e procurar reorganizar a tropa. Falcão fez exatamente o contrário: pensou com o fígado. Sabemos que tal operação exige um contorcionismo fisiológico. E colocou muitos militantes em risco porque, ao portarem suas camisetas e bandeiras, se destacavam da massa em protesto. Ao defender o legado dos governos petistas, era como se confrontassem (na melhor das hipóteses, desqualificassem) os que saíam às ruas. O que, afinal, os petistas ganhariam com tal peitada?
O desastre foi tão grande que a direção nacional do PT tentou se distanciar desta convocação estapafúrdia que desaguaria no dia 20 e gerou uma reação que por pouco não foi em cadeia. O diretório municipal do PT paulista (a capital mais polarizada ideologicamente do país), contudo, manteve a chamada aos militantes e em seu site piscava a orientação para os filiados vestirem vermelho para defenderem o legado dos governos federais petistas.  Uma irresponsabilidade que, nesses dias em que um cinegrafista foi morto no interior de uma manifestação, devemos agradecer por não ter gerado uma tragédia de grandes proporções.
Rui Falcão, afinal, teria pensado nas consequências? A resposta define, evidentemente, a estatura política do personagem.

Ontem, contudo, Rui Falcão alterou o tom. Para o bem. Em meio à bancada petista do Senado (e alguns parlamentares da Câmara Federal) em pânico que sugeria a votação de uma lei fascista, conhecida como Lei Antiterror, o Presidente Falcão divulgou uma nova nota pública:
O Partido dos Trabalhadores acompanha com atenção os debates no Congresso Nacional sobre a adoção de uma legislação antiterror, especificamente no cenário das manifestações que têm ocorrido no País.Entretanto, o PT não pode aceitar qualquer texto legal que não tipifique - com clareza, objetividade e precisão - crimes eventualmente ocorridos no contexto dessas manifestações. Uma lei vaga nessa caracterização penal atenta contra os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição e poderia servir à criminalização de movimentos sociais, o que seria um inaceitável retrocesso democrático. Em que pese nenhum parlamentar seu estar ligado à autoria de projetos dessa natureza, o PT acha que o Brasil precisa aperfeiçoar seus textos legais com vista a ter dispositivos cíveis e penais que coíbam atos contra o patrimônio público, o patrimônio privado e, principalmente, a integridade das pessoas, provocados por aqueles que se aproveitam de legítimas manifestações populares para cometer ações de violência.
Com a proximidade da Copa, a sociedade brasileira exige segurança para exercer seus direitos de liberdade de expressão, de pensamento e de reunião. O Poder Público necessita de um marco legal atualizado para lidar com novas situações que ocorram nesses eventos.
Por isso, o PT tem orientado seus parlamentares a terem o máximo cuidado com projetos dessa natureza para que uma lei em defesa da sociedade não se transforme em lei contra a sociedade.
Rui Falcão
Presidente nacional do PT
OP
Ao menos, o bom senso imperou desta vez.
Mas ainda assim, fica a dúvida sobre a real capacidade dirigente de Rui Falcão. Os anos de foco nos acordos eleitorais teriam retirado de seu cargo a função de comandar bancadas e filiados? Não haveria um hiato entre a organização partidária e as funções eminentemente eleitorais?
O que teria ocorrido para a bancada petista do mais alto fórum parlamentar do país ter se desgarrado e perdido a cabeça num momento tão crucial para a condução pacífica - a partir de um crime cometido em meio aos protestos de rua que se avolumam no Brasil?

Fui analisar os programas de formação de filiados petistas para entender como o partido vem enfrentando a compactação entre papel dirigente e filiados de base.

Acessei vários documentos e vídeos.
E decidi comentar aqui um deles, o que leva o título de "Sobre a Reforma Política proposta pelo PT". Para melhor juízo do leitor, reproduzo o vídeo ao final desta nota. O vídeo utiliza técnicas de marketing: começa com o diálogo, num ônibus, de uma presumida militante petista e um jovem indignado, mas reflexivo. A militante começa a falar da proposta de reforma política e é retrucada pelo jovem indignado. Até que, num determinado momento, a militante faz a pergunta fatal: "você não sabia nada disto, né?". O discurso oficial interdita o diálogo a partir daí e o jovem indignado vai minguando e se curvando aos argumentos em cascata da militante. Nada menos freireano, que um dia foi filiado ao PT. Não há lacuna, não há diálogo, não há espaço para construção do conhecimento. Apenas, a velha e boa "educação bancária" em que o receptor é visto como saco vazio e o educador, um patamar acima na hierarquia social. O "doutor em política" vai apresentando uma enxurrada de informações e argumentos até que o receptor se torna.... a imagem refletida do "doutor". O PT foi criado justamente para se contrapor a este método que invalida a dúvida e a experiência alheia. Fiquei pensando no impacto deste conteúdo formativo. Que tipo de militante, afinal, está se propondo a formar? Um idólatra, imaginei.

Enfim, Falcão é um personagem de seu tempo.
Do tempo atual do PT.
Um partido que tem em suas fileiras gente que ao dar de cara com o AI-5, tomou um rumo muito mais grave que o dos manifestantes de hoje. Este mesmo partido, composto por gente que agiu assim no passado, é o que precisa dar um puxão de orelha em seus parlamentares tomados pelo pânico (espero, sinceramente, que não tenha sido oportunismo, mas pânico) num primeiro momento de conflito de ruas que não tem seu partido na vanguarda.
Um apagão ideológico ou de memória.
Um apagão partidário.
Um apagão na direção do partido.




Um comentário:

Filipe disse...

Acho o Rui Falcão melhor que o presidente anterior do PT (José Eduardo Dutra).

O Dutra vendeu o PT para os "aliados" em muitos estados, esse vale tudo para eleger a Dilma e as alianças pra mim foi uma das principais causas dessas manifestações.

Dutra ajudaria muito mais a Dilma se disputasse o Senado por Sergipe com chance de se eleger em vez de entregar a vaga para um direitista (Eduardo Amorim - PSC).

O Rui pensa mais no PT, dá mais autonomia para os diretórios, está mais empenhado de não digo mudar, mas melhorar a correlação de forças no Congresso a favor do PT e da Dilma.